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A mostrar mensagens de novembro, 2018

Largo José Saramago

Diz-se que a voz do povo é a voz de Deus, mas quem anda pelas caixas de comentários dos jornais online ou pelas famigeradas redes sociais, rapidamente se apercebe que não podia existir maior engano. Deus, a existir, não daria voz a tanta idiotia.22 Vem isto a propósito da mudança de nome de parte do Campo das Cebolas para "Largo José Saramago". O facto causou forte indignação, com provas de que a memória conspurcada pelos nossos preconceitos é uma receita pouco digna de se ver.  Assim, a indignação alicerça-se na posição ideológica de Saramago, no facto de ter escolhido Espanha para viver (sabe-se lá por que razão) ou simplesmente porque escrevia fora das convenções. Enfim, tudo serve para que a vox populi manifeste a sua indignação com o facto do Campo das Cebolas (em parte) passar a ter a designação "Largo José Saramago", duas décadas depois de ter sido galardoado com o prémio Nobel da Literatura. Em suma, muito barulho por nada, como diria o grande drama

Prioridades: tourada

PS, PSD, CDS-PP e PCP, num exercício raro na Assembleia da República, uniram-se para aprovar a descida do IVA nas touradas para os 6%, a mesma taxa aplicada a livros e ao cinema, mas com mais sofrimento, mais sangue e mais psicopatia. Esta estranha união, rara como se disse, não deixa de ser inquietante, sobretudo se analisarmos a relutância destes partidos em se porem de acordo no que diz respeito a temas incomensuravelmente mais relevantes, com a virtude desses mesmos temas serem também incomparavelmente menos bárbaros.  Enfim, é em torno do sofrimento de um animal para mero gáudio de alguns que assistimos à dita união de esforços entre marialvas, comunistas e gente simplesmente rendida ao lobby da tauromaquia. Em suma, a tourada, ou a barbárie se preferirem, é, aos olhos destes partidos, não só uma prioridade, mas também uma oportunidade falhada de se prestarem a uma figura um pouco mais civilizada. Sim, a ministra da Cultura está pejada de razão: esta é uma que

É preciso mais de um Governo de esquerda

A forma como o Governo tem lidado com a greve dos estivadores deixa muito a desejar, pese embora o recente comunicado do ministério do Mar pedindo as empresas que "iniciem de imediato o processo de eliminação da precariedade". Na verdade, o comunicado aparece demasiado tempo depois do início da greve, há três semanas. Recorde-se que a precariedade fomentada pelas empresas sem rosto a operar em Setúbal perpetua-se durante décadas, o que torna a luta destes trabalhadores mais do que justa. O Governo podia ter tido neste particular uma postura mais próxima da equidade que se lhe exige, sobretudo sendo este um Governo posicionado à esquerda do espectro político. Ao invés, o Executivo preferiu enviar trabalhadores para o porto de forma a que o carregamento de veículos da Auto-Europa fosse feito, facto que resultou numa escalada da tensão, dificultando, naturalmente, as negociações. Agora chega o comunicado, talvez por força das exigências, também elas naturais, dos

Uma oposição que desapareceu

Em democracia tanto tem importância quem governa como quem faz oposição. É elementar. E em Portugal existe claramente um problema: a oposição desapareceu. Governo, apoiado pelos partidos à sua esquerda, vai fazendo o seu caminho sem grandes sobressaltos, apesar de nem sempre se posicionar à esquerda, em consonância com quem o apoia, como se viu com a gestão da greve dos estivadores. Ainda assim, vai fazendo o seu caminho. Os partidos mais à esquerda, vão garantindo esse suporte, apesar de alguns pecados cometidos pelo Executivo de Costa, o último dos quais a referida greve de trabalhadores precários no Porto de Setúbal, alguns arrastando consigo perto de 20 anos de precariedade - os grilhões do século XXI. Quanto aos partidos de direita - a oposição - assiste-se ao espectáculo deplorável apresentado pela líder do CDS, ora mostrando uma realidade inexistente, ora esquecendo convenientemente os anos de ministra no Governo de Passos Coelho. E o PSD vai fingindo saber o que faz, enq

Mário Centeno: um ministro que joga em dois tabuleiros

Ou responder a dois chefes que amiúde têm visões completamente diferentes um do outro. É assim que Mário Centeno, e outros antes dele, procede na qualidade de ministro das Finanças do governos do seu país e na qualidade de presidente do Eurogrupo. Ora, no caso em apreço a tal jogada em dois tabuleiros mostra-se ainda mais difícil tendo em consideração a tendência de governação, teoricamente mais à esquerda, coisa que pouco ou nada agrada a instituições altamente burocráticas e sentimentalmente próximas do neoliberalismo vigente. Ora, Centeno é, deste modo, o verdadeiro mago deste Governo. E se Costa, primeiro-ministro, é mestre na venda de ilusões, o que dizer de Centeno? Talvez o à-vontade não seja exactamente o mesmo, mas os efeitos, ainda no domínio da ilusão, conseguem ir um pouco mais longe. Centeno, no sentido de agradar às instituições, cativa o que pode e o que não pode, como se vê no caso gritante da Saúde que depois de anos de desinvestimento, sofre um tratam

Os dias dificeis de Macron

Milhares de pessoas, envergando o famigerado colete amarelo, saem às ruas, bloqueiam estradas e não dão sinais de cedência, ameaçando paralisar o país. Mais grave: os manifestantes aparentam não terem líderes e o sindicatos mantêm-se afastados do protesto, não há portanto representantes com quem negociar. Tudo terá começado com a subida do preço da gasolina e do gasóleo para financiar a transição energética para formas de energia menos poluentes, embora segundo contas feitas pelo Le Monde, apenas uma ínfima parte do dinheiro que se espera arrecadar seja efectivamente para ser utilizado na tal transição. Seja como for, Macron tem pela frente dias dificieis, com promessas de bloqueio da própria cidade de Paris e com a presença da extrema-direita nas manifestações. Já por aqui se escreveu que o falhanço de Macron que amiúde governa como se ainda de um banqueiro se tratasse, abrirá as portas a movimentos políticos que podem ameaçar a democracia francesa, com especial destaqu

Em Portugal ainda se discute tourada. A sério.

Pior, a discussão – pelo menos aquela que terá efeitos práticos – nem sequer toca na tourada propriamente dita, mas sim como deve a carga fiscal incidir sobre esse bárbaro espetáculo. A sério. Por aqui, em pleno século XXI, discute-se se a tourada é ou não cultura; se o acto de espetar farpas num animal (amiúde com as suas defesas enfraquecidas, designadamente com pontas cortadas e afins) é civilização ou nem por isso. A sério. Veio tudo isto a propósito de declarações da ministra da Cultura, de uma troca de cartas entre Manuel Alegre e António Costa e agora o próprio Partido Socialista, ou parte dele, que se movimenta em sentido diametralmente oposto ao do Governo, no preciso sentido de facilitar a promoção da sofrimento e do sangue de um animal para gáudio sádico dos humanos. A sério. Quem esfregue os olhos com o intuito de acordar deste espetáculo surreal rapidamente se apercebe de que não se trata de um sonho: Portugal é um país fundamentalmente atrasado nesse particular

Brexit: tapar um buraco incomensurável

Já há acordo para a saída do Reino Unido da União Europeia, depois de difíceis negociações entre o Reino Unido e Bruxelas. Theresa May, após cinco horas de exercícios de dialéctica, conseguiu convencer o Conselho de Ministros de que se trata de um bom acordo técnico (provavelmente o único possível). Aparentemente. No entanto, terá ainda de convencer o Parlamento - tarefa que será particularmente difícil, visto que May não conta com apoios de peso nem no próprio partido. E o ministro britânico para o Brexit, Dominic Raab, foi o primeiro a demitir-se, outros cinco seguiram-lhe. Dito por outras palavras: há acordo entre governo britânico e Bruxelas, o que deixou de haver é governo britânico. O Brexit está a ser uma opção tão desastrosa que ninguém se entende e aqueles que o promoveram, puseram-se a milhas de distância desse cenário político, com a conveniente desculpa de que a sua tarefa havia terminado - puseram fogo à coisa e viraram as costas à destruição causada pel

Administração Trump: e para além de tudo o mais, o amadorismo

A Administração Trump não conta, nem contará no futuro, com qualquer adjectivação apreciativa. Ainda assim, não parece haver limites para a actuação quer de Trump, quer da sua família, num registo de perfeito nepotismo. Agora foi a vez da também ela inefável Melania Trump, mulher do Presidente americano. A primeira-dama exigiu a demissão de um alto cargo da Administração, a n.º 2 do conselho de Segurança Nacional. Segundo a imprensa americana, Melania não se dava bem, já há algum tempo, com a n.º 2 do conselho de Segurança Nacional. A consequência é, logicamente na cabeça daquela gente que ocupa a Casa Branca, o afastamento da pessoa em questão. Para além de tudo o mais, trata-se de um amadorismo num contexto próximo do absolutismo a que algumas monarquias nos habituaram em tempos idos. Instalada que está a ditadura do quero, posso e mando, resta muito pouco para completar este quadro de desastre absoluto. E com este exercício de nepotismo e amadorismo, fica de for

Cultive-se ignorância

Os incêndios na Califórnia e a disparatada ira do Presidente americano são claras lembranças de que, por muito que desprezemos a ciência e o conhecimento, não somos poupados às catástrofes, mas claramente não estamos preparados, e alguns nem sequer conscientes ou dispostos a tudo fazer para evitar novas catástrofes. Trump lançou um anátema sobre aqueles que estudam o impacto das alterações climáticas provocadas pelo homem. Em rigor, Trump, a que se junta agora Bolsonaro, vivem na ignorância, movimentam-se livremente nela e, naturalmente, promovem-na. A ciência e o conhecimento são vítimas dos Trumps e afins porque para além de mostrarem todo o esplendor da sua ignorância, inviabilizam o discurso fácil e populista que tanto tem servido os seus interesses. E, importa não relevar, existe quem se mostre disposto a comprar esse discurso de bom grado. Consequentemente, cultive-se a ignorância, por mais irresponsável que seja, permite retirar dividendos políticos, depois de

Um Homem não muda o mundo

Vivemos tempos em que um Homem continua a não ser suficiente para mudar o mundo, mas em que um imbecil pode mesmo conseguir a proeza de mudar o mundo, para pior - incomensuravelmente pior. Ficámos com a ideia de que um imbecil pode mesmo dar cabo do planeta com Donald Trump, agora, e para ajudar a reforçar a nossa tese, junta-se Jair Bolsonaro. Trump, mais que não seja por ter obrigado os EUA a sair do Acordo de Paris, fragilizando-o desse modo, demonstrou como um único imbecil pode mesmo dar cabo do planeta. Os graves incêndios na Califórnia vêm lembrar os efeitos das alterações climáticas, mas não a Trump. Seja como for, agora junta-se outro, Jair Bolsonoro que venceu as eleições presidenciais brasileiras e que, entre uma multiplicidade de asneiras, prometeu sacar a riqueza que jaz por debaixo dos pés dos indígenas. E se os últimos anos já haviam sido marcados pelos cortes nos apoios aos povos indígenas e pela proliferação legislativa com o objectivo de abrir

A arrogância de quem errou

O erro, o engano, a falta e a culpa costumam vir acompanhadas pelo arrependimento e, porventura, por pedidos de desculpa. Nada disso aconteceu no caso da deputada Emília Cerqueira que, após o visionamento de imagens da Assembleia da República, viu-se obrigada a vir a terreiro admitir que utilizou “inadvertidamente” a password do deputado José Silvano – o tal que que aparentava ter o dom da ubiquidade: o dom de estar em vários sítios ao mesmo tempo. Podemos caracterizar este caso de diversas formas, mas dificilmente conseguiremos escapar à arrogância que marca os protagonistas: desde o próprio deputado José Silvano que sempre agiu como se não devesse cavaco a quem quer que fosse; passando naturalmente pela deputada que, depois de apanhada em flagrante delito, admitiu ter utilizado a dita password, validando subsequentemente as presenças do deputado ausente, mas sempre num tom de extrema arrogância; passando pelo próprio líder do partido que, em tom de gozo e num gesto de desrespeito

Quando um candidato chulo, evangélico e morto vence umas eleições

Aconteceu nos EUA e diz muito sobre o panorama político americano. Acresce que para além de chulo, evangélico e morto, Dennis Hof é (era)  Republicano e inspirou-se em Trump para entrar na política, apresentando-se como um "chulo americano". Apesar de estar morto desde o mês passado, Dennis Hof bateu a adversária democrata por mais de 7.000 votos. De resto, o que dizer de manchetes de jornais como: "Dead brothel owner wins state assembly seat" - CNN "A brothel-owning, evangelical christian-backed republican candidate who died last month win race for the Nevada State Legislature." É evidente que não será o morto a ocupar o lugar, mas outro republicano. Para completar o quadro dizer apenas que enquanto Trump escreveu o famigerado "Art of The Deal", Dennis Hof tirou da cartola um sugestivo "The Art of The Pimp". E assim vai a política americana.

No referendo à sua presidência, Trump falhou

As eleições de meio de mandato, as chamadas "midterm elections", que funcionam como eleições legislativas, era consideradas o primeiro grande referendo à Administração Trump. Assim sendo, e com a reconquista da Câmara dos Representantes por parte os democratas, Trump chumbou, apesar de ainda ter vindo gritar vitória para o Twitter, em mais um gesto que deixa várias questões no ar acerca da saúde mental do Presidente dos EUA. Depois de largos anos nas mãos dos republicanos, que mantêm ainda assim o domínio do Senado, é agora a vez dos democratas. Esta mudança significa más notícias para Trump que se habituou a ter todo o Congresso sob domínio do GOP. Esta mudança significa que Trump contará com um obstáculo às suas políticas tantas vezes acéfalas e tantas outras perigosas. Sempre que necessitar do apoio de ambas as casas contará com mais do que certas rejeições de uma delas. Como exemplo dessa dificuldade, tem-se falado da famigerada questão do muro que agora se

Merkel e o seu contributo para a consolidação da democracia europeia

Angela Merkel, considerada agora como liderando o grupo de grandes arautos da Europa democrática, anunciou o seu abandono do seu partido, CDU. Ainda não tendo abandonado quer o partido, quer o próprio cargo de chanceler que, ao que tudo indica, é mesmo para levar até ao fim, já há quem lamente a saída da maior figura democrata da Europa recente. Para a construção dessa imagem muito tem contribuído uma inacreditável falta de memória ou, uma incapacidade de relacionar as decisões tomadas, sobretudo na esfera económica, e um afastamento cada vez mais notório dos cidadãos relativamente aos políticos e aos partidos convencionais.  Merkel e o seu governo, liderando uma Europa que continua a ser acéfala, humilharam Estados-membros da UE, empurrando-os ainda mais para a miséria, depois de anos e anos a despejarem nesses mercados o que se produzia na Alemanha, dando um forte contributo para o endividamento dos países que mais tarde viriam a ser alvo da humilhação. Ora, neste

O novo normal

Caímos, e muitos de nós sem sequer se dar conta, numa nova normalidade, num normal marcado pelo niilismo; numa nova normalidade que nega a moral e, em última análise, a verdade. Neste contexto de nova normalidade, a indiferença de uns e o ódio de outros permitem que o Presidente dos EUA, Donald Trump, a propósito daqueles que procuram entrar em solo americano, dê carta branca aos militares para disparar sobre quem atirar uma pedra, transformando e deturpando a realidade que postula a força e eficácia de uma arma versus a tibieza com muito menor eficácia da pedra. A vida cessa de ser o valor supremo. E todos aceitam esta nova normalidade. Apenas neste contexto é que se compreende que a eleição de Bolsonaro seja considerada o novo normal, isto apesar dos retrocessos civilizacionais prometidos. Apenas neste contexto do novo normal é que se percebe a escolha de Sérgio Moro, juiz que se alimentou do prazer de prender Lula, para novo super ministro da Justiça e das policias – um for