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Em Portugal ainda se discute tourada. A sério.

Pior, a discussão – pelo menos aquela que terá efeitos práticos – nem sequer toca na tourada propriamente dita, mas sim como deve a carga fiscal incidir sobre esse bárbaro espetáculo. A sério.
Por aqui, em pleno século XXI, discute-se se a tourada é ou não cultura; se o acto de espetar farpas num animal (amiúde com as suas defesas enfraquecidas, designadamente com pontas cortadas e afins) é civilização ou nem por isso. A sério.
Veio tudo isto a propósito de declarações da ministra da Cultura, de uma troca de cartas entre Manuel Alegre e António Costa e agora o próprio Partido Socialista, ou parte dele, que se movimenta em sentido diametralmente oposto ao do Governo, no preciso sentido de facilitar a promoção da sofrimento e do sangue de um animal para gáudio sádico dos humanos. A sério.
Quem esfregue os olhos com o intuito de acordar deste espetáculo surreal rapidamente se apercebe de que não se trata de um sonho: Portugal é um país fundamentalmente atrasado nesse particular e mais atrasado se torna quando pretende fazer a defesa do indefensável a coberto de uma argumentação patética, recorrendo à cultura, à civilização e até – pasme-se! - à liberdade, como se liberdade existisse para validar o sofrimento e o sangue, mesmo de um animal.
E apenas se discute a questão fiscal, porque essa é a discussão que vale na medida em que terá qualquer efeito. Não se debate o fim dos subsídios estatais à barbárie, nem se ousa discutir o fim da barbárie. Não há coragem. Teme-se a perda de votos, outros mantêm-se ao lado dos caciques que promovem este triste espetáculo. É cultura, é tradição, é importante para a economia (as drogas pesadas, se legalizadas, também teriam impacto económico, mas aqui o argumento, sabe-se lá porquê não serve, não serve), vociferam os apoiantes da barbárie. Debate-se tão só qual a taxa de IVA, num país que permanece atrasado e de lá não parece querer sair.
A sério.

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