A mera interrogação, hoje, provoca
espanto, para não dizer mais, mas talvez no futuro venha a fazer
sentido. Jair Bolsonaro deixará um rasto de destruição enquanto
servirá como exemplo da pior escolha que se pode fazer em
democracia.
É
certo, contudo, que os Bolsonaros deste mundo resultarão na
destruição das democracias e até das sociedades que, equivocadas
no que diz respeito à solução para os seus problemas, escolhem
contra si próprias. E quão irónico será se o Brasil se juntar à
Venezuela no grupo dos Estados falhados do continente Sul Americano?
Depois da Venezuela ter sido precisamente argumento pró-Bolsonaro,
transformada no grande bicho papão. Uma triste ironia, mas ainda
assim uma ironia. Naturalmente.
De
resto, desengane-se quem julga que Bolsonaro e a mediocridade que o
rodeia erradicarão a corrupção (à velha – com actuais
ministros, como Onyx Lorenzoni, Ministro-Chefe da Casa Civil acusado
de receber subornos para campanhas eleitorais – juntar-se-á a
nova) ou as desigualdades cuja raiz Bolsonaro e seus acólitos
abraçam (o Ministro da Fazenda, Paulo Guedes, académico que se
excita com as teorias desenvolvidas pelos famigerados Chicago Boys).
Na verdade, não admira pois que as bolsas rejubilem com a eleição
e tomada de posse do novo Presidente brasileiro, este, mesmo de forma
bacoca, abraça de bom grado o capitalismo selvagem cujas
consequências primeiro resultaram numa imensidão de gente confusa
que agora se transformou em gente zangada (a votar nos Bolsonaros
deste planeta). Rejubilam os capitalistas selvagens que renovam as
suas esperanças de que nada mudará, ao mesmo tempo que assistem ao
florescimento de novas oportunidades de negócio, com privatizações
de tudo e mais alguma coisa, num quadro de concentração
empresarial, e com a selvajaria que se anuncia para a Amazónia,
sempre com gente a ganhar muito dinheiro. Tudo isto enquanto se cospe
nos Direitos Humanos. Tudo isto enquanto se destrói a democracia.
Contas
feitas, são poucos, muito poucos os que têm alguma coisa a ganhar.
Contas feitas serão os do costume a ganhar.
Desenganem-se
aqueles que esperam um resultado diferente com quem pertence ao
sistema capitalista vigente, embora mais boçal e mais medíocre do
que era a norma. Porém, o resultado para a maioria será trágico.
Recorde-se que a democracia, com todas as suas falhas, protege os
direitos dos mais enfraquecidos e procura caminhos no sentido de
mitigar as desigualdades – há muitos falhanços nas últimas
décadas, mas em contrapartida as ditaduras não só fragilizam ainda
mais aqueles que se encontram desprotegidos, assim como se estão
perfeitamente nas tintas para as desigualdades.
Consequentemente,
os que esperam ver-se livres daquela persistente sensação de
desconforto* com os Bolsonaros deste mundo bem podem tirar o
cavalinho da chuva.
Em
suma, o resultado apenas será mais pobreza, mais corrupção (à
velha juntar-se-á a nova), a que se juntará igualmente a repressão,
o cerceamento de liberdades, o fim da separação de poderes, os
saneamentos, a destruição do meio ambiente. Enfim um retrocesso
civilizacional e um preço muito alto a pagar por uma lição que
todos dispensávamos.
*
Sensação de desconforto sobretudo causada pelos efeitos do
neoliberalismo que se consubstancia na morte da esperança num futuro
melhor, provocando uma sensação de revolta mal dirigida e mal
canalizada, que dispara muito ao lado do problema. Sensação de
desconforto que a miséria ou a ameaça de miséria provocam.
Sensação de desconforto que se agudiza com a complexidade de um
mundo cada vez mais difícil de compreender, uma complexidade que é
amiúde fomentada.
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