O
neoliberalismo que marca o capitalismo das últimas décadas
baseou-se numa grande ilusão: o bem-estar social aliado ao crédito.
Ou seja, embora os rendimentos do trabalho tenham vindo a ser
consideravelmente reduzidos, o crédito permitia a manutenção quer
da ilusão de bem-estar, quer do próprio funcionamento do
capitalismo.
No
entanto, 2008 deu mais um contributo para que o corredor das ilusões
se tornasse progressivamente mais exíguo.
Paul
Mason, no seu livro "Pós-Capitalismo" faz o diagnóstico
com base nas três rupturas sistémicas: climática, demográfica e,
evidentemente, financeira. Segundo o autor, uma voz cada vez menos
isolada, o capitalismo neoliberal ou moderno aproxima-se do seu fim.
Mas a ilusão permanece; a ilusão que permite esquecer que vivemos o
pior dos momentos - o de transição que vem invariavelmente
acompanhada de confusão. E subjacente a essa ilusão está a ideia
de que o capitalismo, apesar desta deriva neoliberal, tem pernas para
andar e que a crise de 2008 foi só mais uma, fazendo parte da
natureza do sistema - uma crise que já terá passado.
É
neste contexto que consideramos as desigualdades e a precariedade
laboral males necessários ou que a crise climática só terá, se
tiver, verdadeiras implicações depois do nosso tempo de vida e que
o sistema, apesar de todas as evidências, não só é sólido, como
continuará a conceder-nos os níveis de conforto a que estamos
habituados. Aceitamos a mercantilização e privatizações
desenfreadas, ignorando o grave problema da dívida.
Os partidos de direita defendem com unhas e dentes o sistema enquanto a esquerda adapta-se, contestando o capitalismo ou fingindo contestá-lo.
Os partidos de direita defendem com unhas e dentes o sistema enquanto a esquerda adapta-se, contestando o capitalismo ou fingindo contestá-lo.
Paul
Mason cita o filósofo Frederic Jameson: "É mais fácil
imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo".
Continuaremos
a viver a ilusão, acreditando não existir qualquer espécie de
alternativa. Vinga a ideia de que o crescimento anódino e crónico
não é razão para inquietações, ignorando mesmo que quando os
novos mercados secarem tudo será ainda pior.
Paralelamente, equacionar um futuro em que metade da mão-de-obra não terá trabalho é uma impossibilidade, compreensível até certo ponto. E, sobretudo, olhamos para o outro lado quando alguém tenta demonstrar o esgotamento do capitalismo neoliberal. As alternativas? Elas virão, se o planeta o permitir.
Paralelamente, equacionar um futuro em que metade da mão-de-obra não terá trabalho é uma impossibilidade, compreensível até certo ponto. E, sobretudo, olhamos para o outro lado quando alguém tenta demonstrar o esgotamento do capitalismo neoliberal. As alternativas? Elas virão, se o planeta o permitir.
Voltando
a Mason, este avança uma ideia de pós-capitalismo com base em
informação e redes (apoiando-se em exemplos como o código aberto
ou a Wikipédia), com novas formas de olhar para o trabalho e para o
valor, indissociável do enfraquecimento das hierarquias e dos
monopólios. Um novo sistema à margem do mercado. Não esquecendo a
compreensão dos "limites da força de vontade humana" nem
a "sustentabilidade ecológica". Um pós-capitalismo que
contará, concretamente, com a "redução das emissões de
dióxido de carbono, tentativa de evitar uma crise energética e
minimização do caos provocado pelos acontecimentos de natureza
climática; estabilização do sistema financeiro, socializando-o, de
maneira a que o envelhecimento das populações, as alterações
climáticas e o excesso de dívida não se combinem para detonar um
novo ciclo de expansão-recessão e provocar a destruição da
economia mundial; dar prioridade às tecnologias ricas em informação
no sentido de resolver os principais desafios sociais, como as
doenças, a dependência da segurança social, a exploração sexual
e as carências do ensino". E a tal nova visão do trabalho:
"...um trabalho voluntário, os produtos de primeira necessidade
e os serviços públicos serão gratuitos e a gestão económica
tornar-se-á, fundamentalmente, uma questão de energia e de
recursos, e não de capital e de trabalho".
Até
lá, se esse dia chegar, ou qualquer coisa remotamente semelhante ou
até diametralmente oposta, vamos continuando o caminho do
definhamento agarrados à ilusão de que o pouco conforto que temos
se poderá perpetuar no tempo. Mason pode muito bem ter desenhado uma
utopia, mas é precisamente como utopia que muitas transformações
começam.
Hoje em dia, a principal contradição do capitalismo moderno é entre a possibilidade da existência de bens gratuitos e produzidos socialmente em abundância, e um sistema de monopólios, bancos e governos, que lutam por manter o controlo do poder e da informação. Ou seja, está tudo impregnado por uma luta entre a rede e a hierarquia. Pós-capitalismo, Paul Mason, editora Objectiva.
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