Avançar para o conteúdo principal

Filhos e enteados

Já se sabia que a União Europeia era desigual; já se sabia que essas desigualdades verificavam-se sobretudo na forma como os Estados-membros eram tratados; já se sabia que as referidas desigualdades estavam a acentuar-se. O que eventualmente seria menos conhecida era a desfaçatez dos mais proeminentes líderes europeus no reconhecimento da desigualdade entre Estados-membros.
Junker, Presidente da Comissão Europeia, em entrevista a um canal francês, admitiu que a França não estará sujeita a sanções, apesar de o seu défice ultrapassar os 3 por cento, simplesmente porque se trata da França. Dito por outras palavras, a França porque é a França não está sujeita às mesmas regras, como já aconteceu com a impoluta Alemanha, precisamente por não ter cumprido os três por cento.
Entre filhos e enteados, percebe-se que é quem.
Nós por cá continuaremos alegremente a fingir que fazemos parte da família, quando na verdade não fazemos. Já fomos relativamente interessantes, mas hoje somos olhados apenas como um problema - somos enteados ainda para mais problemáticos. O nosso tempo passou; o nosso mercado interno (avidamente consumista de bens produzidos e financiados pelos filhos da Europa) esgotou-se. Hoje somos uma fonte seca, um problema. 

Por cá, não discutimos a família que não nos quer. Não a discutimos quando chegámos a ser bem-vindos, não a discutimos agora que deixámos de o ser. Por cá não queremos sequer pensar no nosso lugar na família. Somos enteados, vivemos numa Europa que já nem esconde as desigualdades que ela própria promove. Não queremos saber qual o nosso lugar na Europa e no mundo, mas não faz mal, está quase a começar o Europeu de futebol onde talvez possamos despir a roupa andrajosa de enteado mal-amado.

Comentários

José R. B.Lopes disse…
Caríssima,
Estou totalmente de acordo com a sua constatação do triste papel que desempenhamos nesta (des)União sem qualquer tipo de rumo nem travão que acelera alegremente para o abismo. Desde o famigerado programa de "assistência", já nem devemos estranhar o desprezo e a arrogância com que somos tratados pelos putativos "lideres" europeus. Para agravar a situação só temos mandado para nos representar uma série de imbecis que mais não fazem do que se curvar vergonhosamente aos desaforos e constantes intromissões na condução do nosso destino. Não acredito que não tenhamos para nos representar, afrontando de uma forma enérgica e decisiva os "esquentadores"(junkers), os "electrodomésticos" (Schaub Lorenz) e aquela espécie de "xarope" para a tosse (Bissolvon)e mandando-os dar banho ao cão.... Como deve concordar o Directório não se pode dar ao luxo (muito menos agora) de expulsar nenhum país da zona euro, sob pena de se desmoronar como um baralho de cartas.
Desculpe-me o desabafo, mas estou cansado de ver a maneira como nos tratam.

Mensagens populares deste blogue

Normalização do fascismo

O PSD Açores, e naturalmente com a aprovação de Rui Rio, achou por bem coligar-se com o "Chega". Outros partidos como o Iniciativa Liberal (IL) e o CDS fizeram as mesmas escolhas, ainda que o primeiro corra atrás do prejuízo, sobretudo agora que a pandemia teve o condão de mostrar a importância do Estado Social que o IL tão avidamente pretende desmantelar, e o segundo se tenha transformado numa absoluta irrelevância. Porém, é Rui Rio, o mesmo que tem cultivado aquela imagem de moderado, que considera que o "Chega" nos Açores é diferente do "Chega" nacional. Rui Rio, o moderado, considera mesmo que algumas medidas do "Chega" como a estafada redução do Rendimento Social de Inserção é um excelente medida. Alheio às características singulares da região, Rui Rio pensa que com a ajuda do "Chega" vai tirar empregos da cartola para combater a subsidiodependência de que tanto fala, justificando deste modo a normalização que está a fazer de um pa...

Direitos e referendo

CDS e Chega defendem a realização de um referendo para decidir a eutanásia, numa manobra táctica, estes partidos procuram, através da consulta directa, aquilo que, por constar nos programas de quase todos os partidos, acabará por ser uma realidade. O referendo a direitos, sobretudo quando existe uma maioria de partidos a defender uma determinada medida, só faz sentido se for olhada sob o prisma da táctica do desespero. Não admira pois que a própria Igreja, muito presa ao seu ideário medieval, seja ela própria apologista da ideia de um referendo. É que desta feita, e através de uma gestão eficaz do medo e da desinformação, pode ser que se chumbe aquilo que está na calha de vir a ser uma realidade. Para além das diferenças entre os vários partidos, a verdade é que parece existir terreno comum entre PS, BE, PSD (com dúvidas) PAN,IL e Joacine Katar Moreira sobre legislar sobre esta matéria. A ideia do referendo serve apenas a estratégia daqueles que, em minoria, apercebendo-se da su...

Outras verdades

 Ontem realizou-se o pior debate da história das presidenciais americanas. Trump, boçal, mentiroso, arrogante e malcriado, versus Biden que, apesar de ter garantido tudo fazer  para não cair na esparrela do seu adversário, acabou mesmo por cair, apelidando-o de mentiroso e palhaço.  Importa reconhecer a incomensurável dificuldade que qualquer ser humano sentiria se tivesse que debater com uma criança sem qualquer educação. Biden não foi excepção. Trump procurou impingir todo o género de mentiras, que aos ouvidos dos seus apoiante soam a outras verdades, verdades superiores à própria verdade. Trump mentiu profusamente, até sobre os seus pretensos apoios. O sheriff de Portland, por exemplo, já veio desmentir que alguma vez tivesse expressado apoio ao ainda Presidente americano. Diz-se por aí que Trump arrastou Biden para a lama. Eu tenho uma leitura diferente: Trump tem vindo a arrastar os EUA para lama. Os EUA, nestes árduos anos, tem vindo a perder influência e reputação ...