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Para quem anseia pelo FMI

Depois de anos de irresponsabilidade, despesismo, falta de visão estratégica, inépcia e alimentação de clientelas políticas, o país vê-se despido de soberania e à mercê dos famigerados mercados. Nesta conjuntura, há quem mostre uma acentuada ansiedade pelo recurso de Portugal ao fundo europeu sujeito aos ditames do FMI.
A história do Fundo Monetário Internacional é indissociável de Keynes cuja ideia de FMI é a antítese daquela de hoje (de há umas décadas a esta parte). O FMI aquando da sua criação visava ajudar países a saírem de situações de recessão através do reforço das classes mais baixas e médias, sem histerias em volta de défices excessivos. Apostava-se no incremento da oferta para que se vendesse mais, para que as empresas produzissem mais, para que o emprego aumentasse. Para tal é necessário que as pessoas tivessem dinheiro, o que é elementar. Recorde-se da importância de Keynes para a resolução dos problemas fruto da Grande Depressão.
Hoje o FMI tem outros objectivos, funcionado à revelia de qualquer conceito de democracia, o Fundo é comandado pelas grandes economias mundiais. A sua agenda é neoliberal, engendrada para as economias que precisam de salvação, libertando dinheiro para pagar dívidas, geralmente aos bancos dessas grandes potências e criando oportunidades de negócio absolutamente vantajosas para as empresas desses mesmos países. Para tal privatiza-se ao preço da chuva o que ainda houver para privatizar, despe-se o Estado das suas competências, relegando-o para o lugar de espectador e elimina-se as chatices que o Estados têm com as despesas sociais. Consequentemente, a receita do FMI é invariavelmente a mesma, independentemente do país em que intervém: privatizações, ataques às Administrações Públicas, aumento de impostos, redução do papel do Estado, redução de salários. A receita, de resto, é velha, julgava-se ultrapassada depois de uma crise criada pela mesma estirpe de "técnicos". Assim se liberta dinheiro para para pagar as dividas aos tais bancos das grandes potências económicas - dívidas criadas por políticas de empobrecimento, geralmente disfarçadas de subsídios e outras ajudas que culminam com a destruição de empresas e da agricultura -, e deixa-se o que resta da economia sujeita às aves de rapina dessas mesmas grandes potências económicas.
Quanto ao crescimento económico, pouco há a dizer, até porque como é evidente, o tal crescimento económico está longe de ser uma prioridade. A receita degenera assim em recessão.
Não se aprendeu nada com a crise. A Europa, encabeçada pela Alemanha, agora expurgada de todos os seus pecados, é o maior exemplo dessa ausência de vontade de se aprender lições. Uma Europa que vendeu os seus princípios em troca de negócios e dos mercados; uma Europa que se desvaneceu sobre a avidez e o egoísmo de países como a Alemanha e sobre a inércia dos países mais pequenos tidos como incapazes de resolver os seus problemas e que mostram total subserviência e nenhuma capacidade de negociação.
Nada disto invalida o facto de serem necessários planos de consolidação das contas públicas, mas planos sensatos que tenham em conta que as dificuldades de um país não são ultrapassadas de um dia para o outro. Seria fundamental que a Europa se mostrasse coesa precisamente para fazer face aos ataques especulativos dos mercados que tanto venera. Caso contrário é a própria moeda única que é posta em causa.
Por cá, exige-se mais coragem por parte de quem lidera os destinos do país. Aos que sonham com o FMI que a sua receita de beneficiar os países mais ricos à custa da destruição do bem-estar social e da própria economia lhes faça bom proveito. Importa é não esquecer que a primeira vítima acaba sempre por ser a democracia que sai fragilizada a cada dia que passa.

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