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Extraordinário

Foi este o adjectivo escolhido por José Sócrates para qualificar o resultado que deu a vitória eleitoral de ontem. Extraordinário será cumprir o programa eleitoral sem maioria absoluta; extraordinário será o primeiro-ministro habituar-se à necessidade de negociação e, consequentemente, será extraordinário ver até que ponto a metamorfose de José Sócrates aguenta o clima crispado que se vive na Assembleia da República. Nesta conjuntura de maioria relativa, a humildade e capacidade de estabelecer pontes entre os diversos partidos políticos é essencial para que haja estabilidade governativa. Será que Sócrates aguenta a perspectiva de ter de passar quatro anos a trocar a sua irascibilidade pela tolerância e a sua arrogância pela humildade?

Extraordinária foi verdadeiramente a vitória - porque é precisamente de um resultado histórico que se trata - do CDS-PP. O resultado conseguido pelo partido de Paulo Portas premeia a campanha levada a cabo pelo CDS - uma campanha onde foi possível discutir propostas concretas, uma campanha em que se procurou falar das iniciativas e propostas políticas do CDS-PP em vez de esgotar o tempo com polémicas. O CDS mereceu o resultado obtido quer pelo trabalho desenvolvido no Parlamento quer pela seriedade e proficuidade da sua campanha eleitoral.

Num dia em que praticamente todos cantaram vitória, os membros e apoiantes do Bloco de Esquerda também tiveram razões para sorrir, embora tenham falhado o objectivo de serem a terceira força política. Não deixa de ser curioso que tantos portugueses subscrevam um programa eleitoral que defende as nacionalizações e a estatização da economia. Por muitas incongruências que o modelo em vigor revele, será que o reverso poderia produzir resultados que não um desastre para a economia? Será que a defesa de maiores equilíbrios não traria outros benefícios para o país? Ou será que o regresso ao passado que colocou a economia num beco sem saída é, de facto, a solução? Isto sim é extraordinário.

Quanto ao PCP (CDU) nada de extraordinário terá ocorrido, passou para quinta força política, e os seus dirigentes passaram a noite toda a cantar uma vitória que ninguém conseguiu ver. Extraordinário só mesmo o facto de o PCP ainda conseguir eleger tantos deputados para a Assembleia da República.

E, finalmente, o PSD que acabou por ser o grande derrotado da noite. Uma derrota que era, de certa forma expectável. O partido vai tentar manter-se em pé durante as próximas duas semanas, mas é muito provável que os próximos tempos possam ser de acentuada instabilidade e serão seguramente determinantes para o futuro do partido.

Em suma, o país entra numa nova fase política que poderá ser mais curta do que muitos esperam - dependendo da sensatez e sentido de Estado dos líderes dos partidos, que, diga-se, não abunda. Extraordinário será se o PS cumprir a legislatura até ao final; extraordinário será que quaisquer entendimentos que possam sair nos próximos tempos produzam resultados. Extraordinário é o silêncio do Presidente da República sobre a alegada vigilância, assunto que poderá ter condicionado os resultados de ontem.

Comentários

Anónimo disse…
"uma campanha onde foi possível discutir propostas concretas, uma campanha em que se procurou falar das iniciativas e propostas políticas do CDS-PP em vez de esgotar o tempo com polémicas. O CDS mereceu o resultado obtido quer pelo trabalho desenvolvido no Parlamento quer pela seriedade e proficuidade da sua campanha eleitoral."

Bonito eufemismo para um campanha oportunista e demagoga fundada nos mais primários medos e reacções de um país em crise - o medo de perder o emprego para um qualquer estrangeiro, a insegurança e a subsídios dos outros. Isso e só isso foi premiado. Felizmente basta aparecer uma direcção competente no PSD para metade desses votos regressarem à base.

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