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Razões para censurar o estado da nação

Ocupar o espaço político mais à direita ou mais à esquerda não é tarefa fácil. Fácil é encontrar incongruências em ambos os espaços ideológicos. À esquerda deparamo-nos com exageros que podem gerar iniquidades. À direita, temos dificuldades em nos identificarmos com o conservadorismo dos valores, e temos noção dos perigos do neoliberalismo económico. Assim, correndo o risco de fazer uma amálgama de direita e de esquerda, é preferível mostrar concretamente o que seria profícuo para o país, no entender da autora deste texto, claro está.

Qualquer intervenção começar inevitavelmente com a questão do Estado. O Estado deve ter menos preponderância, mantendo sob sua alçada áreas tradicionais como Saúde, Justiça, Educação, Segurança e Defesa. Salvaguardando também que todos os cidadãos tenham acesso a estes serviços ou sejam abrangidos por eles, de tal forma que os mais desfavorecidos não sejam excluídos.

O Estado, igualmente, deve combater o despesismo, a subsidio-dependência; acabar com uma Administração Pública burocrática, hierarquizada e onde reinam os interesses e favores partidários. Não se pode excluir a possibilidade de se estudar a possibilidade de passar alguns serviços para empresas privadas e possibilidade de se criarem as condições necessárias à coexistência entre serviços públicos e privados a concorrerem entre si. O Estado deve também garantir que opera de forma reguladora, em particular em determinadas áreas da economia – não se imiscuindo desnecessariamente, mas salvaguardando a livre concorrência e garantindo que os interesses dos cidadãos não são relativizados em nome do regabofe de algumas empresas bem conhecidas. O Estado não pode, contudo, excluir qualquer cidadão do acesso aos seus serviços por razões financeiras.

Em matéria fiscal, o Estado tem a obrigação de cobrar eficazmente impostos, em nome da justiça entre contribuintes. De facto, não se admite que uns cumpram, enquanto outros não o façam. Mas importa também que o Estado na prossecução dos seus objectivos, não persiga os contribuintes, correndo o risco de ter aplicar técnicas draconianas em nome da eficiência fiscal. De igual modo, exige-se que o Estado seja sério e cumpridor, tal como o mesmo exige aos contribuintes. Será de uma enorme proficuidade que se construa um Estado que pela sua simplicidade e seriedade transmita confiança aos cidadãos e aos agentes económicos. Não esquecer o problema da dependência excessiva de empresas e cidadãos relativamente ao Estado. Emancipação exige-se!

Note-se também a urgência de uma reforma da Justiça, até para incutir a ideia nos cidadãos, por vezes esquecida, de quem comete um ilícito ou um crime, será invariavelmente punido, de acordo com a lei. O país padece do problema da falta de uma cultura de responsabilidade – a Justiça pode, pois, dar um contributo para a consolidação dessa cultura de responsabilidade. A celeridade e a eficiência são, aliás, essenciais para regenerar a confiança, entretanto perdida, dos cidadãos e das empresas num sistema de justiça capaz de dar resposta. E se por um lado, um sistema de justiça eficiente e célere atrai também investimento; por outro, o Estado de Direito é um dos pilares da democracia, não o esqueçamos.

Na área da Saúde, importa procurar a salvaguarda da universalidade no acesso ao Sistema Nacional de Saúde, procurando simultaneamente a sustentabilidade do sistema através de uma melhor gestão dos meios e através de taxas moderadoras (mais no sentido da dissuasão). Não excluir, mais uma vez, as parcerias público-privadas, e se for mais barato no privado, não eliminar essa possibilidade por razões ideológicas. Não se pode continuar a deteriorar a qualidade dos serviços públicos para que em seu lugar surjam serviços privados – quem perde é o cidadão. O que propõe, pelo contrário, é que exista uma coexistência entre público e privado. Refira-se novamente a importância de ninguém ficar excluído do acesso a serviços de saúde, por razões financeiras – deve ser essa a função social do Estado.

A Educação está na origem de um problema estrutural do país que explica também a actual conjuntura socio-económica. Com efeito, as fracas qualificações dos recursos humanos não são indissociáveis do agravamento da pobreza. Concretamente, seria mais útil se não nos rendêssemos ao facilitismo, que procurássemos garantir a qualidade de ensino, que se incutisse a importância do espírito crítico, do debate de ideias e até da autodidaxia. Não esquecendo, claro está, a relação entre educação e cultura. Paralelamente, ao contrário do que tem vindo a ser feito, seria importante lutar pela dignificação da classe docente, sem a qual nada pode construído. Ora, precisamente para se dignificar os professores e, naturalmente, a escola, é determinante que se dê maior ênfase à responsabilização dos pais. E já agora, deve insistir-se na ideia de que só encontraremos o caminho do progresso através da qualificação dos recursos humanos.

Voltando à questão dos impostos, que foi ligeiramente aflorada neste texto, à pergunta sobre a necessidade de redução da carga fiscal a resposta é decididamente sim. Aliás, como se tem constatado, ao longo destes anos, uma carga fiscal onerosa não tem sido sinónimo de maior bem-estar social. Nem é por acaso que os sucessivos aumentos empreendidos pelo actual Executivo, em nome da consolidação das contas públicas, contribuíram para o empobrecimento de que tanto se tem falado. Menos carga fiscal – não se está apregoar uma redução radical – traduzir-se-á por um aumento da confiança dos cidadãos e das empresas, já para não falar das possibilidades em matéria de investimento e de criação de emprego. Aliás, Espanha pratica uma carga fiscal que retira competitividade às empresas portuguesas.

Por outro lado, a aposta em parcerias entre universidades e empresas é essencial. Os empresários têm a este propósito um papel determinante e os resultados dessa aposta reflectir-se-ão na inovação dos produtos e dos meios de produção. Mais uma vez se sublinha que a aposta na qualificação dos recursos, na investigação, na ciência e tecnologia são os únicos caminhos para Portugal.

Num outro plano, a questão da Europa. Exige-se maior participação de Portugal e maior contundência da classe política em matéria de negociação comunitária e naturalmente na construção europeia. Portugal tem de dar um contributo para que seja a União Europeia, no seu conjunto, a encontrar soluções e novas estratégias para fazer face a um mundo em mudança acelerada. A crise do petróleo poderá ser um bom exemplo do esforço conjunto.

Em Portugal fala-se pouco de cultura e quando se fala é para discutir subsídios. Outros ainda mantém a ideia de que cultura não é para as massas, serve, ao invés, as elites. Uma ideia errada, apesar de algumas evidências nesse sentido. Apesar disso, o Estado não pode abster-se de apoiar a produção cultural, mas pode sim abster-se de a apoiar indiscriminadamente e por vezes casuisticamente. Agora não nos iludamos: as sociedades não se podem alimentar apenas de espectáculos bacocos e simplistas, a prova está naqueles países que tanto invejamos. E já agora, se a RTP se mantém sob a alçada do Estado, porque não faz um trabalho mais meritório na promoção da cultura? O mesmo se aplica, em menor grau obviamente, aos canais privados, que raras vezes justificam as licenças. Ou talvez não faça parte das prioridades do Governo contribuir para reverter o processo de estupidificação das pessoas.

Correndo o risco de insistir demasiado na questão económica, reitero o tema do modelo económico seguido pelo agora Governo. Um modelo ultrapassado que insiste na primazia do betão, quando o que interessa é precisamente abandonar essas políticas, em particular numa altura em que a crise petrolífera poderá resultar num repensar de políticas de desenvolvimento. Além disso, a primazia do betão não é a solução para o desemprego, nem pouco mais ou menos.

Os últimos anos foram marcados pela quase inexistência de investimento público, mais uma vez devido a constrangimentos orçamentais. Ora, o investimento público ainda é útil se bem aplicado, e novamente se for aplicado na qualificação, na ciência e investigação e na tecnologia. Foi anunciado uma espécie de choque tecnológico que mais não é do que a distribuição de computadores e outros artifícios. Por outro lado, o investimento público atrai investimento privado. De facto, para se poder oferecer produtos ou serviços de qualidade, inovadores e claro está competitivos, é preciso que se invista em áreas em que essa é uma realidade alcançável. A produtividade e competitividade poderão, assim, deixar de nos inquietar tanto.

De igual modo, não se pode deixar de referir a importância da introdução de novas dinâmicas empresariais que privilegiem

- Técnicas de gestão mais eficazes;
- Visão estratégica;
- Empreendedorismo
- Salvaguarda da satisfação dos trabalhadores, garantindo também um mínimo de estabilidade no emprego, o que resulta num maior grau de satisfação e, consequentemente, num aumento de produtividade. Que impere, pois, o principio da reciprocidade;
- Aposta na inovação e na qualidade como forma de atingir maiores níveis de competitividade;
Aposta no marketing e na garantia de satisfação do cliente.


Hoje, o problema mais premente é da pobreza e das desigualdades. A sua solução passa, como já foi referido, pela qualificação dos recursos humanos e mais investimento das empresas – a função do Estado é proporcionar a condições para essa conjuntura seja possível. Só criando riqueza é que se pode redistribui-la. Entretanto, devem ser encontrados mecanismos para debelar o problema das desigualdades. Paralelamente, a existência de salários obscenamente elevados e outros miseráveis destrói a coesão social, originando problemas sociais novos no nosso país. O aumento da criminalidade e da insegurança não estão desfasados desta realidade. Outro ponto a salientar: a destruição da classe média, classe invariavelmente sacrificada, constitui um erro crasso e um claro sinal do enfraquecimento do tecido social.

No que diz respeito à consolidação da democracia, o Governo já prestou, nesse âmbito, um péssimo serviço, com recurso a manobras de cerceamento mais ou menos evidente das liberdades. De qualquer modo, a escola continua a ter neste particular um papel determinante a desempenhar. Logo, o ensino da importância das liberdades associadas à condição de respeitar opiniões diferentes (também aqui o Governo deu um péssimo contributo) não deve ser subestimado. Enfatizar também a importância da democracia e da pluralidade de opiniões nunca podem ser relativizadas ou maltratadas como tem sido prática do Executivo de José Sócrates.

Para concluir, sublinhar a importância de perceber que as mudanças de que país desesperadamente necessita dependem também de todos nós. A cultura do chico-espertismo, por exemplo, em que vigora a esperteza mais saloia daqueles que se vangloriam com o facto de terem enganado o Estado, seja em matéria fiscal, seja no que diz respeito a subsídios e prestações sociais, seja porque conseguiram evitar uma brigada de trânsito, depois de uma noite de excessos, ou pior, daqueles que, no desempenho de cargos políticos, se apropriaram de fundos públicos. Não é, portanto, de estranhar a receptividade e permissividade que alguns portugueses mostram no que diz respeito a autarcas perseguidos pelas autoridades e depois de fugas inauditas para o Brasil, ou contas bancárias sob suspeição. O que interessa, pois, é o populismo de alguns e os favores de outros. Por outro lado, compete-nos evitar o refúgio na resignação – terreno fértil para tiques de autoritarismo.

É por demais evidente que uma mentalidade serôdia, alguma ainda herdeira do Estado Novo, repleta de invejas, egoísmos, ignorância, chico-espertismo, ausência de civismo, e uma dependência excessiva do Estado, conspurca indelevelmente o caminho que país tem necessariamente de percorrer para sair do buraco onde se instalou. E já agora, seria útil se fossemos pragmáticos quando olhamos para países bem sucedidos, analisando os seus pontos fortes na senda de adaptá-los para o nosso contexto, mantendo as devidas distâncias consequência das nossas especificidades, ao invés de olharmos para esses países com um deslumbramento pueril, passando a vida embasbacados com o progresso dos outros.

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