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65 horas de trabalho

Agora são as 65 horas semanais a substituir as actuais 48 horas. Ou dito de outro modo, foi aprovada, ontem, a directiva do Tempo de Trabalho, permitindo que se possa chegar às 65 horas semanais, se trabalhadores e patrões estiverem de acordo. Parece, pois, que o menosprezo que o regime chinês tem pelos trabalhadores deste país inspirou a Europa. Este é mais um retrocesso social. Será certamente mais um, outros virão. na verdade, o regresso aos tempos idos da Revolução Industrial que muitos advogam, parece pois fazer muito sentido. Fica na gaveta a importância do bem-estar dos trabalhadores, o tempo de lazer, o tempo com a família, o indispensável tempo para descanso. Dir-se-á que trabalha quem quer, mas a ver vamos se trabalha quem quer. Ou se não passará a ser essa a norma. Por outro lado, está-se a enveredar pelo caminho contrário às políticas de combate ao desemprego.

Este é mais um exemplo que serve para fortalecer a tese dos desequilíbrios no seio da UE. De resto, a cegueira que assola os tecnocratas de Bruxelas e muitos governantes europeus será inevitavelmente responsável por rupturas. Não se pode estar honestamente à espera que os cidadãos europeus se aproximem de uma Europa que os despreza a todos os títulos, e cada vez mais em matérias sociais. Espera-se, no entanto, que os eurodeputados possam chumbar esta directiva. Na qualidade de representantes do povo, exige-se que os interesses dos cidadãos que são representados possam merecer outra consideração por parte dos políticos de Estrasburgo.

O acordo foi conseguido pelos ministros do Trabalho dos 27 Estados-membros. Mas há o desacordo de cinco Estados-membros: Bélgica, Espanha, Grécia, Hungria e Chipre, que se abstiveram. Os governos destes países parecem estar empenhados em persuadir o Parlamento Europeu a seguir outro rumo. É inacreditável verificar quer a falta de informação sobre esta matéria, quer a forma como o Governo português despreza os trabalhadores, negociando à revelia dos interesses dos mesmos.

Referir também que o limite de 48 horas está em vigor desde 1933. É certo que existem profissões que tem características específicas em matéria de horário de trabalho, o que justificaria uma alteração. Mas essas alterações devem ser restritivas e funcionarem como a excepção e não como a regra. Caso contrário corre-se o risco de se banalizar o aumento do tempo de trabalho semanal, suprimindo outros postos de trabalho e sobrecarregando os trabalhadores com cargas horárias pouco dignas. Todos sabemos que se está abrir um perigoso precedente. Por muito que se tente vender a ideia de que se trata de uma excepção, todos sabemos como funciona o mercado laboral e, no caso português, como é sistemático o aproveitamento de benesses deste género por parte das entidades patronais. Simplesmente inaceitável.

Aqui, em Portugal, a notícia não teve a atenção que certamente mereceria. É difícil de compreender como a comunicação social não deu maior relevo a negociações que decorrem há mais de quatro anos. Sendo, no entanto, perceptível que, ultimamente, a greve dos camionistas tem sido o centro das preocupações nacionais. Mas também não é menos verdade que, ultimamente, andamos distraídos. Ou andamos a dormir e quando acordarmos já poderá ser tarde. Paralelamente e até ao momento justifica-se uma crítica feroz ao Governo e à comunicação social que perde tempo com minudências, enquanto no espaço europeu são tomadas decisões que poderão alterar profundamente a vida dos cidadãos. O exemplo espanhol, encabeçado pelo partido do poder PSOE, poderia servir de inspiração ao Governo português. Porém, não serve. Simplesmente vergonhoso.

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