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Uma vitória anunciada e um partido dividido

As eleições no Partido Social Democrata culminaram com o resultado esperado: a vitória de Manuela Ferreira Leite. Venceu a credibilidade e a competência técnica, mas esta vitória também é sintomática de um PSD pouco avesso ao risco e à mudança. Resta saber se Ferreira Leite terá algum sucesso na união possível do partido e de que modo a sua social-democracia se destaca e se diferencia do socialismo moderno de José Sócrates. Os resultados das eleições são também sintomáticos das divisões internas no partido – a proximidade de resultados é um sinal claro de divisões que poderão comprometer o futuro do partido.
Assim, Manuela Ferreira Leite terá de ultrapassar vários obstáculos se pretende ser uma efectiva candidata a primeira-ministra: a sua matriz ideológica diferente daquilo que é defendido pelo socialismo moderno do actual primeiro-ministro, o seu passado potencialmente comprometedor, designadamente durante o período em que desempenhou a função de ministra das Finanças e a sua austeridade indisfarçável que, segundo alguns, poderá ser um elemento a funcionar contra Manuela Ferreira Leite.
Pedro Passos Coelho conseguiu um resultado promissor, alcançando um segundo lugar muito próximo da vencedora. De facto, a candidatura de Passos Coelho representou um importante passo no seu percurso político. Contudo, o resultado de Passos Coelho teve sempre uma condicionante difícil de ultrapassar: a questão do liberalismo. O candidato à presidência do PSD sempre teve dificuldades em explanar a sua posição ideológica. A razão é simples: o liberalismo pode eventualmente ter provocado alguma relutância nos militantes, designadamente porque Passos Coelho insistiu na questão liberal, não tendo sido muito acutilante na abordagem que fez às questões sociais.
De qualquer modo, Passos Coelho foi ainda assim quem se distanciou ideologicamente daquilo que tem sido a prática do PSD. Por isso e por ter contribuído para a diversidade do debate político, merece os parabéns.
Passos Coelho teria uma enorme vantagem nos debates com Sócrates – a inexistência de um passado que compromete Ferreira Leite e Santana Lopes, embora em graus diferentes. Paralelamente, uma potencial aliança com Ferreira Leite poderia ser profícua para a nova liderança, até porque o resultado conseguido pelo candidato lhe confere uma força política assinalável.
Santana Lopes conseguiu um resultado, apesar de tudo, positivo e muito próximo de Passos Coelho. Talvez tenha sido até certo ponto surpreendente ver Pedro Santana Lopes tão perto de Passos Coelho, e próximo também da candidata vencedora. Se um dos problemas do PSD, ao longo dos últimos anos, esteve relacionado com a falta de credibilidade, a vitória de Santana Lopes só poderia contribuir para um aumento dessa ausência de credibilidade.
Mário Patinha Antão deu um bom contributo para o enriquecimento do debate político e talvez fosse interessante aproveitar algumas das ideias do economista do PSD.
Em síntese, começa agora uma nova fase no PSD com Manuela Ferreira Leite a liderar o partido. Espera-se, no essencial, que o partido possa unir-se em torno de um objectivo comum: a vitória nas legislativas, mas também nas autárquicas e nas eleições para o Parlamento Europeu. É essa união, ou pelo menos um apaziguar das querelas internas, que é certamente determinante para a conquista dos objectivos do maior partido da oposição. Uma união que se mostra difícil depois de resultados tão próximos uns dos outros. E mais uma vez sublinha-se a importância que a união entre os dois candidatos com mais votos poderá ter para o futuro do país.
Todavia, os resultados das eleições internas mostram uma outra situação: o PSD não se terá livrado da corrente mais populista, encarnada por Pedro Santana Lopes, e será seguramente essa corrente a fazer uma acérrima oposição interna. Os desafios do PSD, por conseguinte, são inúmeros. Hoje pode começar, ainda assim, uma nova fase na vida do Partido Social Democrata.

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