Avançar para o conteúdo principal

Acordo Ortográfico

A discussão sobre o Acordo Ortográfico, desenhado nos anos 90, mas ainda à espera de ratificação, tem vindo a público, graças, em larga medida, a iniciativas da Associação Portuguesa de Editores e Livreiros e ao empenho do escritor Vasco Graça Moura em defender a não ratificação do acordo. Caso contrário, pouco ou nada se ouviria sobre um acordo que vai ter real impacto na língua portuguesa. Parece mesmo não haver um interesse em que se divulguem os contornos de um acordo feito à revelia da generalidade dos portugueses. Enganam-se aqueles que defendem que esta é uma discussão que deve ser empreendida apenas entre académicos e responsáveis políticos. A língua não é um exclusivo do mundo académico e da esfera política.
Os objectivos do acordo ortográfico são, aparentemente, positivos. Pretende-se, assim, uniformizar e divulgar a língua portuguesa escrita, com o claro objectivo de uma maior internacionalização da língua. Contesta-se, no entanto, a forma como se pretende alcançar esse objectivo, designadamente fazendo recair grande parte das alterações na variante do português europeu. Além disso, várias alterações são difíceis de entender, a título de exemplo: se os acentos agudos e acentos circunflexos vão desaparecer em palavras como “pára” e “pêlo”, de que forma é que se consegue fazer a distinção entre estas palavras e as palavras “para” e pelo”? Mas esta é apenas uma das várias incongruências do Acordo Ortográfico.
Por outro lado, e olhando para a perspectiva política do acordo, não se percebe como é possível justificar-se a mudança numa língua – parte integrante da identidade de um povo – com razões de ordem económica. Nem tudo pode ter esta lógica, por muito que os interesses empresariais tenham o seu peso nas sociedades de hoje. O ministro da Cultura já evocou razões desta natureza para justificar a ratificação do acordo.
O Acordo Ortográfico é apresentado como uma forma de aproximar a língua portuguesa, cerceando as diferenças nas suas diversas variantes. Ora, isso está longe de ser conseguido com este Acordo Ortográfico. Foi precisamente isso que a Associação Portuguesa de Editores e Livreiros demonstrou, ao mostrar claramente, através da comparação de dois textos, um que seria publicado em Portugal, e outro no Brasil, já de acordo com as alterações previstas pelo Acordo Ortográfico. Com efeito, as variantes da língua continuarão a preservar as principais diferenças. Este Acordo Ortográfico falha o seu objectivo principal, é meramente um acordo de cosmética.
No essencial, exige-se uma discussão mais ampla sobre o assunto em questão, e que envolva, dentro da medida do possível, os principais interessados – os falantes da língua. E que não se ceda a interesses mais ou menos obscuros, em nome de uma lógica que transcende os interesses dos portugueses. Importa sublinhar que não se trata de uma resistência à mudança, como é incessantemente referido pelos arautos deste acordo. Trata-se sim de uma preocupação genuína e legitima de quem acredita que os interesses nacionais não estão a ser devidamente salvaguardados. E não se pense que os portugueses estão deliberadamente arredados desta discussão, o que se tem constatado é que não parece haver muito interesse em que a discussão seja mais alargada.

Algumas alterações previstas pelo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa:

- Introdução das letras “k”, “w” e “y” no alfabeto português.
- Cai o acento na conjugação da terceira pessoal do plural do presente do indicativo no verbo “ter”, “vir” e “ver” – têm, vêm e vêem perdem o acento circunflexo. Como já foi anteriormente dito, as palavras “pára” e pêlo” perdem também os acentos, gerando a confusão com as palavras “para” e “pelo”.
- Alterações nas maiúsculas, designadamente nos meses do ano (sem maiúscula). Torna-se facultativa em nomes de ruas, títulos de obras (exceptuando a letra inicial), tratamentos de cortesia (Senhor Doutor) e disciplinas (Português e Matemática, por exemplo).
- Ao nível das consoantes mudas, as alterações são talvez as mais significativas: cai o “c” nas palavras “director”, “colecção” ou “director”; cai o “p” em “Egipto”, e a palavra “peremptório” perde o “p” e o “m” é substituído pelo “n”, passando a escrever-se “perentório”.
- Alterações ao nível do hífen: quando o prefixo termina em vogal e a palavra seguinte inicia-se com “r” ou “s”, cai o hífen e dobra-se a consoante: “contrarrelógio” Quando o prefixo termina com a vogal que inicia o elemento seguinte, usa-se o hífen, por exemplo: “contra-almirante”. Mas há uma excepção: o prefixo “co-“, que se aglutina com o elemento seguinte mesmo que este comece com um “o”: “coocupante”. A palavra “coordenar” passa a confundir-se com “coordenar” (dirigir).
- O hífen cai na locução “fim-de-semana”, mantendo-se, no entanto na locução “cor-de-rosa”.
- Com este Acordo Ortográfico passar-se-á a escrever “hei de” e “hão de”, sem hífen.

Fonte: Jornal “Público”

Estas são algumas alterações previstas pelo Acordo Ortográfico, a palavra “húmido” parece também ser passível de perder o “h”, passando a escrever-se “úmido”. Parece que vai ser mesmo assim.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Saídas para os impasses

As últimas semanas têm sido pródigas na divulgação de escândalos envolvendo o primeiro-ministro e as suas obrigações com a Segurança Social e com o Fisco. Percebe-se que os princípios éticos associados ao desempenho de funções políticas são absolutamente ignorados por quem está à frente dos destinos do país - não esquecer que o primeiro-ministro já havia sido deputado antes de se esquecer de pagar as contribuições à Segurança Social. A demissão está fora de questão até porque o afastamento do cargo implica, por parte do próprio, um conjunto de princípios que pessoas como Passos Coelho simplesmente não possuem. A oposição, a poucos meses de eleições, parece preferir que o primeiro-ministro coza em lume brando. E com tanta trapalhada insistimos em não discutir possíveis caminhos e saídas para os impasses com que o país se depara. Governo e oposição (sobretudo o Partido Socialista) agem como se não tivessem de possuir um único pensamento político. Assim, continuamos sem saber o que...

Fim do sigilo bancário

Tudo indica que o sigilo bancário vai ter um fim. O Partido Socialista e o Bloco de Esquerda chegaram a um entendimento sobre a matéria em causa - o Bloco de Esquerda faz a proposta e o PS dá a sua aprovação para o levantamento do sigilo bancário. A iniciativa é louvável e coaduna-se com aquilo que o Bloco de Esquerda tem vindo a propor com o objectivo de se agilizar os mecanismos para um combate eficaz ao crime económico e ao crime de evasão fiscal. Este entendimento entre o Bloco de Esquerda e o Partido Socialista também serve na perfeição os intentos do partido do Governo. Assim, o PS mostra a sua determinação no combate à corrupção e ao crime económico e, por outro lado, aproxima-se novamente do Bloco de Esquerda. Com efeito, a medida, apesar de ser tardia, é amplamente aplaudida e é vista como um passo certo no combate à corrupção, em particular quando a actualidade é fortemente marcada por suspeições e por casos de corrupção. De igual forma, as perspectivas do PS conseguir uma ma...

Outras verdades

 Ontem realizou-se o pior debate da história das presidenciais americanas. Trump, boçal, mentiroso, arrogante e malcriado, versus Biden que, apesar de ter garantido tudo fazer  para não cair na esparrela do seu adversário, acabou mesmo por cair, apelidando-o de mentiroso e palhaço.  Importa reconhecer a incomensurável dificuldade que qualquer ser humano sentiria se tivesse que debater com uma criança sem qualquer educação. Biden não foi excepção. Trump procurou impingir todo o género de mentiras, que aos ouvidos dos seus apoiante soam a outras verdades, verdades superiores à própria verdade. Trump mentiu profusamente, até sobre os seus pretensos apoios. O sheriff de Portland, por exemplo, já veio desmentir que alguma vez tivesse expressado apoio ao ainda Presidente americano. Diz-se por aí que Trump arrastou Biden para a lama. Eu tenho uma leitura diferente: Trump tem vindo a arrastar os EUA para lama. Os EUA, nestes árduos anos, tem vindo a perder influência e reputação ...