Avançar para o conteúdo principal

A herança de Bush

Por altura dos cinco anos da guerra do Iraque, e a poucos meses de Bush deixar a presidência, é também o momento para se discutir o legado do ainda Presidente americano. O legado do Presidente Bush estará indissociavelmente relacionado com a guerra do Iraque. Ora, a pesada herança do Presidente começa a desenhar-se no pós-11 de Setembro. Em traços gerais, o 11 de Setembro significa uma viragem na política externa americana, marcada pelo unilateralismo, e representou a grande oportunidade para a hegemonia dos neoconservadores. A preponderância dos neoconservadores nas decisões de um Presidente limitado constitui um erro fatal para os Estados Unidos – relembre-se que os neoconservadores não diferem substancialmente de quem faz a apologia do radicalismo.
Nestas condições, a política externa norte-americana foi caracterizada por uma catadupa infindável de erros, que nem o 11 de Setembro e a solidariedade associada conseguem atenuar e levar a uma compreensão generalizada. Assim, o legado de Bush pode ser analisado através de dois planos, indissociáveis um do outro: as consequências para o Iraque e para a região, e as consequências de maior amplitude para os EUA.
Num primeiro plano, a intervenção militar no Iraque sofre ainda hoje, volvidos cincos anos do seu início, uma contestação generalizada, incluindo nos Estados Unidos. Assente em pressupostos falsos, a guerra do Iraque tem a agravante de não ter solução à vista. Em resumo, a intervenção americana no Iraque redundou na destruição e inviabilização deste país, à ascensão do Irão, e deu um forte contributo para a destabilização do Médio Oriente – em nada contribuindo para uma resolução do conflito israelo-palestiniano, por exemplo. Além disso, fica a imagem de um número incomportável de vítimas de ambos os lados aliada à sensação de se tratar de uma guerra injustificada.
Num segundo plano, existe uma multiplicidade de transformações negativas para os próprios Estados Unidos. De facto, a credibilidade dos EUA sai inexoravelmente afectada e os EUA perdem o seu poder de influência na cena internacional – hoje, a comunidade internacional olha com desconfiança para os EUA, o que constitui um retrocesso incomensurável para os americanos. A guerra do Iraque teve ainda episódios de tortura e a guerra americana ao terrorismo admite situações como Guantanamo, o que constitui um retrocesso civilizacional. Também neste domínio, os americanos escolheram o isolamento internacional, optando pelo desrespeito pelos direitos humanos e pela lei internacional.
Como é visível, o legado de Bush está intimamente relacionado com a guerra no Iraque. Os custos desta guerra e da ideologia que lhe subjaz, desenhada por neoconservadores conspurcados por um fundamentalismo também ele ignóbil, são imensos e constituem uma herança pesada para o sucessor de Bush. O sucessor do ainda Presidente terá forçosamente de trabalhar no sentido de recuperar a imagem dos EUA, com recurso ao soft power – esse trabalho será hercúleo para o próximo presidente, mas é uma necessidade para os EUA e para o resto do mundo. Afinal, ainda se trata da superpotência, e embora tenha incorrido em erros graves, os EUA ainda são um país democrático e o maior aliado da Europa. Resta agora ultrapassar o triste legado de Bush e do seu séquito de neoconservadores.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Saídas para os impasses

As últimas semanas têm sido pródigas na divulgação de escândalos envolvendo o primeiro-ministro e as suas obrigações com a Segurança Social e com o Fisco. Percebe-se que os princípios éticos associados ao desempenho de funções políticas são absolutamente ignorados por quem está à frente dos destinos do país - não esquecer que o primeiro-ministro já havia sido deputado antes de se esquecer de pagar as contribuições à Segurança Social. A demissão está fora de questão até porque o afastamento do cargo implica, por parte do próprio, um conjunto de princípios que pessoas como Passos Coelho simplesmente não possuem. A oposição, a poucos meses de eleições, parece preferir que o primeiro-ministro coza em lume brando. E com tanta trapalhada insistimos em não discutir possíveis caminhos e saídas para os impasses com que o país se depara. Governo e oposição (sobretudo o Partido Socialista) agem como se não tivessem de possuir um único pensamento político. Assim, continuamos sem saber o que...

Fim do sigilo bancário

Tudo indica que o sigilo bancário vai ter um fim. O Partido Socialista e o Bloco de Esquerda chegaram a um entendimento sobre a matéria em causa - o Bloco de Esquerda faz a proposta e o PS dá a sua aprovação para o levantamento do sigilo bancário. A iniciativa é louvável e coaduna-se com aquilo que o Bloco de Esquerda tem vindo a propor com o objectivo de se agilizar os mecanismos para um combate eficaz ao crime económico e ao crime de evasão fiscal. Este entendimento entre o Bloco de Esquerda e o Partido Socialista também serve na perfeição os intentos do partido do Governo. Assim, o PS mostra a sua determinação no combate à corrupção e ao crime económico e, por outro lado, aproxima-se novamente do Bloco de Esquerda. Com efeito, a medida, apesar de ser tardia, é amplamente aplaudida e é vista como um passo certo no combate à corrupção, em particular quando a actualidade é fortemente marcada por suspeições e por casos de corrupção. De igual forma, as perspectivas do PS conseguir uma ma...

Outras verdades

 Ontem realizou-se o pior debate da história das presidenciais americanas. Trump, boçal, mentiroso, arrogante e malcriado, versus Biden que, apesar de ter garantido tudo fazer  para não cair na esparrela do seu adversário, acabou mesmo por cair, apelidando-o de mentiroso e palhaço.  Importa reconhecer a incomensurável dificuldade que qualquer ser humano sentiria se tivesse que debater com uma criança sem qualquer educação. Biden não foi excepção. Trump procurou impingir todo o género de mentiras, que aos ouvidos dos seus apoiante soam a outras verdades, verdades superiores à própria verdade. Trump mentiu profusamente, até sobre os seus pretensos apoios. O sheriff de Portland, por exemplo, já veio desmentir que alguma vez tivesse expressado apoio ao ainda Presidente americano. Diz-se por aí que Trump arrastou Biden para a lama. Eu tenho uma leitura diferente: Trump tem vindo a arrastar os EUA para lama. Os EUA, nestes árduos anos, tem vindo a perder influência e reputação ...