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Endividamento numa conjuntura desfavorável

Num momento em parece ser inevitável que a crise, com origem nos Estados Unidos, afecte a Europa e naturalmente Portugal, o problema do endividamento ganha dimensões mais preocupantes. Com efeito, o país está endividado, segundo alguns números divulgados estima-se que os portugueses devam ao sector financeiro perto de 128 mil milhões de euros. O crédito habitação é inquestionavelmente o grande responsável por esse endividamento, mas o crédito ao consumo tem vindo a aumentar.
As instituições bancárias aproveitaram muito bem uma conjuntura manifestamente favorável a consumo de créditos, a saber: total inexistência de uma cultura de pedagogia, desresponsabilização do Estado convicto da sabedoria do mercado financeiro, baixos salários, consumismo exacerbado, e claro está, o desaparecimento da poupança.
É, porém, interessante verificar que a publicidade dos bancos procura centrar-se agora em produtos ligados à poupança, e verificar também o quase desaparecimento de publicidade a oferecer crédito à habitação. Interessa, pois, referir que os próprios bancos, alertados pela crise que começou no subprime, com a desconfiança que se gerou e com a falta de liquidez, estão a mudar a sua estratégia. Parece, portanto, ser uma inevitabilidade que alguns produtos oferecidos pelos bancos – não é correcto afirmar-se que os bancos não incorreram em exageros, porque incorreram, designadamente quando emprestaram dinheiro acima do valor do imóvel –, em particular o spread 0%, e produtos similares deixem de existir. Na verdade, a estratégia deste sector parece passar por uma maior restrição no acesso ao crédito e no seu encarecimento, designadamente através da subida do spread. Neste interessa mais ao sector financeiro uma aposta nos depósitos a prazo.
Hoje existe uma maior consciencialização por parte de quem empresta dinheiro, parecendo, todavia, rarear essa consciencialização por parte de quem recorre ao crédito. De qualquer modo, durante muitos anos concedeu-se crédito de forma manifestamente exagerada, e por conseguinte, não é de estranhar que a taxa de incumprimento tenha vindo a subir de forma significativa, e vai seguramente continuar a subir.
Um erro grave cometido pelos bancos é, como já aqui foi aflorado, a concessão de empréstimos que superam o valor da habitação; ou dito por outras palavras, os bancos emprestaram, hoje já não o fazem, mais dinheiro do que aquele que deveriam – o erro está na possibilidade de haver uma estagnação ou mesmo redução do valor do imóvel, e é isso que se verifica hoje. Para os cidadãos, a situação não é melhor: têm um crédito acima do valor da casa; o mercado imobiliário, embora os promotores fujam à palavra crise, não atravessa os melhores dias, o que na prática se traduz por uma situação desfavorável para bancos e consumidores. Aliás, parece ser cada vez mais difícil vender um imóvel, exceptuando produtos de luxo, e o valor das casas tem vindo a sofrer uma redução, não se antevendo um futuro mais auspicioso.
É com este enquadramento, e com a crise a chegar do outro lado do Atlântico, que importa encontrar soluções para as famílias em risco de incumprimento, designadamente através com renegociações com as entidades financeiras (negociar o spread ou propor um adiamento da amortização do capital, pagando apenas juros) e com a cessação total de recurso a outros créditos. Importa também ter presente que o futuro próximo não vai trazer crescimento económico, crescimento de emprego, aumento de salários ou aumento do poder de compra.
Note-se também que nunca interessou ao país reduzir o endividamento, porque se isso tivesse sucedido, haveria seguramente um mercado de arrendamento mais dinâmico, competitivo e aliciante com o objectivo de concorrer com o mercado de venda de imóveis. Isso não sucedeu, provavelmente graças à inexistência de vontade política, ausência de visão estratégica, grupos de influência, etc. Entretanto, ganharam os bancos, perderam os portugueses que estão desprovidos de uma cultura de poupança, aliciados, durante muitos anos, pelos bancos, e hoje muito fragilizados comparativamente com outros cidadãos europeus, sem margem de manobra para fazer face às despesas correntes do mês, e muito menos para fazer face à crise que se avizinha.

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