O fenómeno da globalização é indissociável do modelo de desenvolvimento que se almeja para a União Europeia. A globalização, em particular na sua vertente económica, abre novas oportunidades num contexto de mercados abertos em antítese ao proteccionismo; mas acaba invariavelmente por desvirtuar a importância dos indivíduos, designadamente dos trabalhadores, mas também dos que mais necessitam de ajuda.
Parece que o sucesso das economias é, de alguma maneira, inconciliável com o modelo social europeu. Tanto é assim que verifica-se o aumento de desigualdades em vários países europeus – desigualdades que são o resultado da perda de direitos dos trabalhadores, e o desaparecimento de uma vontade política para proteger aqueles que mais necessitam. Por outro lado, a preponderância dos grandes grupos económicos determina, amiúde, as próprias decisões políticas, nem que seja na exacta medida de respeitar as “leis” dos mercados. O estatuto dos mercados, que se aproxima perigosamente a uma espécie de divindade que nem sequer pode ser posta em causa, é uma razão para se falar de Europa no contexto da globalização.
Uma das características que separa a Europa dos restantes países do mundo é o seu modelo social europeu. Repare-se que este modelo é único e indicia uma Europa preocupada com a equidade, com a justiça social, com a igualdade de oportunidades, com o respeito pelos direitos de todos. Trata-se de um modelo contrário aquilo que é praticado em muitos países, incluindo os EUA.
Hoje, e consequência das pressões do neoliberalismo, discute-se a pertinência e eficácia desse modelo. Admitindo que possam e devam surgir alterações – nada deve permanecer imutável – a essência do modelo social não se pode perder. As preocupações da UE com o bem-estar dos seus cidadãos não é qualquer coisa de prescindível, nem tão-pouco se deverá enveredar por mimetismos baratos. Pelo contrário, a Europa pode e deve ser um modelo neste mundo globalizado – a União Europeia tem de aceitar esse desafio.
De facto, o peso da UE no mundo, apesar do vasto rol de críticas, não pode ser analisado de forma despicienda. E mais, esse papel pode ser de maior monta, precisamente se os líderes europeus aceitarem o desafio de agir como modelo para mundo. Se a UE determinar que rejeita o dumping social, não prescindindo dos direitos dos seus cidadãos, se a UE aceitar que existem mínimos ambientais que não são negociáveis, e se a UE aceitar que não as grandes multinacionais a desenhar as políticas da UE, caminha-se no sentido certo. Neste sentido, o modelo social europeu deve servir de referência a essa nova Europa contrária à matriz neoliberal que actualmente faz escola na UE.
É comummente aceite, exceptuando naturalmente os arautos do neoliberalismo, que a inexistência de regras da globalização fomenta as desigualdades e a injustiça social – promovendo em larga medida o capitalismo selvagem. A União Europeia também teria, nesta matéria, uma forte palavra a dizer, já que outras instâncias supranacionais mostram-se incapazes de estabelecer e fazer cumprir essas regras, tanto o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial, a Organização Mundial Do Comércio fazem tudo, menos pugnar por uma regulamentação. Não se pode ignorar o seguinte: do caos e da desordem eclodem as desigualdades.
De igual forma, nunca é demais sublinhar a importância de uma regulamentação do fenómeno da globalização, até porque só desta forma se poderá forçar todos os países a jogarem este jogo com as mesmas regras, e acaba-se desta forma com a utilização das injustiças sociais e exploração dos trabalhadores e do ambiente como mais-valia económica. A forma como a China actua nos mercados mundiais é absolutamente inaceitável.
Finalmente, referir também a fragilidade da preponderância dos mercados – e se dúvidas persistem, analise-se atentamente a crise dos mercados financeiros que surgiu no mercado subprime no EUA. A ausência de regras desencadeia episódios desta natureza que mostram a opacidade que é aceite por quase todos. É com este pano de fundo que a política e os políticos têm de recuperar a sua importância – em particular no seio da UE – num mundo que é cada vez mais determinado pelas vontades do mercado.
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