Avançar para o conteúdo principal

O ursinho da polémica

A história quase inacreditável de uma professora que foi presa, por quinze dias, por ter autorizado que se baptizasse um ursinho com o nome Mohamed, tem contornos ainda mais inauditos quando se sabe que a professora em questão incorreu numa pena que podia ir até ao ano de cadeia e 40 chicotadas. A história começou quando a professora organizou um concurso em que os alunos teriam a tarefa de encontrar um nome para um ursinho, este foi o crime de Gillian Gibbons, a professora britânica a leccionar no Sudão. São conhecidas as divergências no seio do Islão no que diz respeito à proibição de representar o profeta Maomé, agora ficou a saber-se que o simples facto de se colocar o nome Mohamed (o nome do profeta) a um urso de pelúcia também é proibido, quando este é um nome muito frequente no mundo islâmico. Entretanto, milhares de sudaneses saíram às ruas para pedir o fuzilamento da professora.
O que está em causa é o radicalismo que subjaz a sociedades cuja natureza é manifestamente medieval. Depois da polémica dos cartoons, depois de uma miríade de casos de violações dos direitos humanos em nome de uma interpretação que se traduz em práticas desumanas – ainda recentemente, uma jovem saudita foi condenada a 140 chicotadas por ter sido vista na companhia de um homem que não era seu familiar, a mesma jovem xiita tinha sido vítima de 14 violações –, este caso vem dar mais um contributo negativo para a imagem do mundo islâmico.
Sendo certo que existe um Islão moderado e conciliador, o que acaba por ter visibilidade são exemplos como aqueles referidos neste texto. Ora, deste modo, parece evidente que os moderados têm de encetar esforços concertados para mostrar a índole do Islão que tanto apregoam – a sua natureza positiva, de respeito por todas as religiões, a importância que é dada à caridade, à compaixão, etc. É esse Islão que acaba por ocupar uma posição latente, porque, de resto, é o radicalismo que tem visibilidade.
Infelizmente, as diferenças entre povos que professam religiões diferentes são cada vez mais acentuadas, seja no Médio Oriente, seja na Europa. Acredita-se e veicula-se a ideia de que essas mesmas diferenças são inconciliáveis, cerceando qualquer esperança em coexistências pacíficas. E é tão raro discutir-se o que há em comum entre essas mesmas religiões – e na verdade, há muito em comum. Neste sentido, exemplos de radicalismos como o que recaiu sobre a professora britânica – acusada de idolatria – devem ser veementemente condenados por aqueles que professam esta mesma religião mas não se revêem no fundamentalismo apoiado por determinadas interpretações.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Saídas para os impasses

As últimas semanas têm sido pródigas na divulgação de escândalos envolvendo o primeiro-ministro e as suas obrigações com a Segurança Social e com o Fisco. Percebe-se que os princípios éticos associados ao desempenho de funções políticas são absolutamente ignorados por quem está à frente dos destinos do país - não esquecer que o primeiro-ministro já havia sido deputado antes de se esquecer de pagar as contribuições à Segurança Social. A demissão está fora de questão até porque o afastamento do cargo implica, por parte do próprio, um conjunto de princípios que pessoas como Passos Coelho simplesmente não possuem. A oposição, a poucos meses de eleições, parece preferir que o primeiro-ministro coza em lume brando. E com tanta trapalhada insistimos em não discutir possíveis caminhos e saídas para os impasses com que o país se depara. Governo e oposição (sobretudo o Partido Socialista) agem como se não tivessem de possuir um único pensamento político. Assim, continuamos sem saber o que...

Fim do sigilo bancário

Tudo indica que o sigilo bancário vai ter um fim. O Partido Socialista e o Bloco de Esquerda chegaram a um entendimento sobre a matéria em causa - o Bloco de Esquerda faz a proposta e o PS dá a sua aprovação para o levantamento do sigilo bancário. A iniciativa é louvável e coaduna-se com aquilo que o Bloco de Esquerda tem vindo a propor com o objectivo de se agilizar os mecanismos para um combate eficaz ao crime económico e ao crime de evasão fiscal. Este entendimento entre o Bloco de Esquerda e o Partido Socialista também serve na perfeição os intentos do partido do Governo. Assim, o PS mostra a sua determinação no combate à corrupção e ao crime económico e, por outro lado, aproxima-se novamente do Bloco de Esquerda. Com efeito, a medida, apesar de ser tardia, é amplamente aplaudida e é vista como um passo certo no combate à corrupção, em particular quando a actualidade é fortemente marcada por suspeições e por casos de corrupção. De igual forma, as perspectivas do PS conseguir uma ma...

Outras verdades

 Ontem realizou-se o pior debate da história das presidenciais americanas. Trump, boçal, mentiroso, arrogante e malcriado, versus Biden que, apesar de ter garantido tudo fazer  para não cair na esparrela do seu adversário, acabou mesmo por cair, apelidando-o de mentiroso e palhaço.  Importa reconhecer a incomensurável dificuldade que qualquer ser humano sentiria se tivesse que debater com uma criança sem qualquer educação. Biden não foi excepção. Trump procurou impingir todo o género de mentiras, que aos ouvidos dos seus apoiante soam a outras verdades, verdades superiores à própria verdade. Trump mentiu profusamente, até sobre os seus pretensos apoios. O sheriff de Portland, por exemplo, já veio desmentir que alguma vez tivesse expressado apoio ao ainda Presidente americano. Diz-se por aí que Trump arrastou Biden para a lama. Eu tenho uma leitura diferente: Trump tem vindo a arrastar os EUA para lama. Os EUA, nestes árduos anos, tem vindo a perder influência e reputação ...