A precariedade do emprego – um autêntico flagelo social, a par do desemprego – não se manifesta apenas na forma de vínculos precários. Na verdade, a próprio modo de estar do trabalhador vai sofrendo um vasto leque de metamorfoses, que vão desde o desânimo, passam pela esperança e eventualmente por alguma euforia, mas desemboca invariavelmente no despedimento ou na perpetuação da precariedade. São tantas as incertezas, são tantas as frustrações que se torna simplesmente impossível não se discutir o ónus da precariedade, ou seja, a insegurança mais gritante.
Pretende-se agora alargar as razões para o despedimento, designadamente através de argumentos relacionados com a adaptação. É indubitável que as leis laborais não são as melhores e nem tão-pouco servem o país. Mas aquilo que se tem vindo a verificar nos últimos anos é um incremento assustador da precariedade laboral, em particular nos jovens trabalhadores. Ora, parece que a premissa segundo a qual a precariedade começa a ser a regra e não a excepção faz todo o sentido.
O silêncio da classe política sobre esta matéria não deixa de ser curioso. Os dois principais partidos políticos – o PSD e o PS – lidam tacitamente com esta questão. Talvez porque olhem para ela como uma espécie de inevitabilidade.
A vontade política para combater formas abjectas de precariedade não faz parte das intenções dos dois principais partidos. Os vínculos precários fazem parte de uma realidade incontornável e também não valerá a pena incomodar os humores empresariais.
Já aqui escrevi que a precariedade do emprego é, na generalidade das situações, contraproducente. Senão vejamos: um trabalhador cujo vínculo laboral seja precário, a viver sempre na dúvida se voltam a renovar ou não o contrato de trabalho temporário de três meses que fez com a empresa, não terá vontade para dar o seu melhor a uma empresa que o obriga a viver na mais ignóbil incerteza. Não havendo reciprocidade porque razão há-de o trabalhador dar o seu melhor à empresa? E a situação não é melhor noutras formas de precariedade, em particular na famigerada praga dos recibos verdes. Basta de se atribuir todos os problemas da competitividade da economia portuguesa aos trabalhadores. E porque razão não se fala de uma conjuntura desfavorável?
As empresas portuguesas e o Estado – que tem dado um péssimo exemplo em matéria de precariedade – têm de perceber que se não oferecerem o mínimo de garantias de segurança, não podem estar à espera de uma fidelidade do funcionário, muito menos podem contar com um desempenho extraordinário do trabalhador. Assim, será que a relação entre a precariedade do emprego e a baixa produtividade não estarão, de certa forma, relacionadas?
Finalmente, importa sublinhar a acção vergonhosa do Estado em relação aos seus funcionários, designadamente, aqueles que têm vínculo precário. A política da mobilidade serve, amiúde, para perpetuar os funcionários menos bons, com menos formação, e com uma reduzida criatividade; e dispensa os mais jovens, os mais capazes, os mais criativos, em suma, os melhores. Na Administração Pública a excepcionalidade conta muito pouco, o que conta é apenas uma questão de calendário: os que entraram há muito tempo, e os que só recentemente lá chegaram. Consequentemente, é pura demagogia falar-se de uma aumento de eficácia da Administração Pública. A Administração Pública não passa de um monstro pesado e obsoleto que tem o mau hábito de dispensar os melhores funcionários que o monstro assume como sendo corpos estranhos, leia-se aqueles que fogem à norma – os bons, os com maior formação, os mais capazes.
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