Avançar para o conteúdo principal

Trabalho precário e o mau exemplo do Estado


O provedor de Justiça, Nascimento Rodrigues, veio relembrar ao primeiro-ministro a necessidade urgente no sentido de se solucionar o problema da precariedade de milhares de funcionários públicos, que em caso de situação de desemprego não têm direito ao subsídio de desemprego, e chama também a atenção para a inconstitucionalidade deste problema. Esta foi uma promessa do Governo. Refira-se, pois, que o Grupo parlamentar afirmou, na Assembleia da República, que o Governo iria apresentar uma proposta para “resolver a situação de todos os funcionários públicos com vínculo precário ao Estado”. A proposta deveria ser apresentada até ao final deste ano. Parece que entretanto o Governo, atarefado com a presidência da União Europeia, esqueceu essa proposta. Felizmente, o provedor de Justiça fez questão de relembrar o Governo desta sua falha que tem custos elevados para a vida de muitos trabalhadores da Administração Pública.

O problema do trabalho precário não é, naturalmente, um problema exclusivo do Estado; no sector privado a precariedade assume proporções preocupantes. Porém, é o Estado que dá o mau exemplo nesta questão, dir-se-á, ainda, que não é apenas neste particular que o Estado dá o mau exemplo – os atrasos no pagamento a empresas que prestaram serviço para o Estado, é mais um péssimo exemplo -, mas na questão da precariedade, e depois de assumir que vai alterar a situação, exige-se mais celeridade na conduta do Governo. E além disso, não é admissível que o actual Executivo, em nome da parcimónia orçamental, trate de forma pouco digna – é disso que se trata quando se fala de precariedade – os seus trabalhadores.

Infelizmente, o assunto do trabalho precário não tem a visibilidade que se desejaria, até porque é um assunto que é um tanto quanto incómodo. De qualquer modo, o uso e abuso dos “recibos verdes” e os contratos de trabalho temporário como forma exclusiva de contratação, são utilizados repetidamente por empresas e pelo Estado. Ninguém discute o impacto desse recurso abusivo da precariedade para a questão da produtividade e da competitividade do país. Certamente que o recurso a vínculos precários não é o caminho para a modernização e maior competitividade das empresas portuguesas; muito pelo contrário, é contraproducente. Nem tão-pouco se discutem os impactos que os vínculos laborais precários têm na vida dos trabalhadores: a fragilidade dos vínculos laborais origina a coarctação de projectos de futuro, o refúgio na resignação e o cerceamento das verdadeiras capacidades e potencialidades dos trabalhadores.

Por consequência, esta é uma temática que não pode continuar a ser levianamente ignorada pelo Governo, partidos políticos, pelas empresas e pela sociedade portuguesa. Nós temos o mau hábito de só equacionar "o oito ou o oitenta”; ou seja, ou existem trabalhadores que estão completamente vinculados, por tempo indeterminado, ao seu trabalho (o que é hoje quase inexequível), ou os vínculos laborais são precários (o que afecta os jovens em particular). Está na altura de se discutirem soluções de meio-termo, cuja razoabilidade seja efectiva para as empresas, mas também para os trabalhadores. O desequilíbrio não pode persistir sob pena de um fragilização ainda maior, quer das empresas, quer dos trabalhadores. E o Estado tem de dar o bom exemplo, não pode ser exigente com os cidadãos e depois não cumprir a Constituição da República Portuguesa.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Normalização do fascismo

O PSD Açores, e naturalmente com a aprovação de Rui Rio, achou por bem coligar-se com o "Chega". Outros partidos como o Iniciativa Liberal (IL) e o CDS fizeram as mesmas escolhas, ainda que o primeiro corra atrás do prejuízo, sobretudo agora que a pandemia teve o condão de mostrar a importância do Estado Social que o IL tão avidamente pretende desmantelar, e o segundo se tenha transformado numa absoluta irrelevância. Porém, é Rui Rio, o mesmo que tem cultivado aquela imagem de moderado, que considera que o "Chega" nos Açores é diferente do "Chega" nacional. Rui Rio, o moderado, considera mesmo que algumas medidas do "Chega" como a estafada redução do Rendimento Social de Inserção é um excelente medida. Alheio às características singulares da região, Rui Rio pensa que com a ajuda do "Chega" vai tirar empregos da cartola para combater a subsidiodependência de que tanto fala, justificando deste modo a normalização que está a fazer de um pa...

Direitos e referendo

CDS e Chega defendem a realização de um referendo para decidir a eutanásia, numa manobra táctica, estes partidos procuram, através da consulta directa, aquilo que, por constar nos programas de quase todos os partidos, acabará por ser uma realidade. O referendo a direitos, sobretudo quando existe uma maioria de partidos a defender uma determinada medida, só faz sentido se for olhada sob o prisma da táctica do desespero. Não admira pois que a própria Igreja, muito presa ao seu ideário medieval, seja ela própria apologista da ideia de um referendo. É que desta feita, e através de uma gestão eficaz do medo e da desinformação, pode ser que se chumbe aquilo que está na calha de vir a ser uma realidade. Para além das diferenças entre os vários partidos, a verdade é que parece existir terreno comum entre PS, BE, PSD (com dúvidas) PAN,IL e Joacine Katar Moreira sobre legislar sobre esta matéria. A ideia do referendo serve apenas a estratégia daqueles que, em minoria, apercebendo-se da su...

Outras verdades

 Ontem realizou-se o pior debate da história das presidenciais americanas. Trump, boçal, mentiroso, arrogante e malcriado, versus Biden que, apesar de ter garantido tudo fazer  para não cair na esparrela do seu adversário, acabou mesmo por cair, apelidando-o de mentiroso e palhaço.  Importa reconhecer a incomensurável dificuldade que qualquer ser humano sentiria se tivesse que debater com uma criança sem qualquer educação. Biden não foi excepção. Trump procurou impingir todo o género de mentiras, que aos ouvidos dos seus apoiante soam a outras verdades, verdades superiores à própria verdade. Trump mentiu profusamente, até sobre os seus pretensos apoios. O sheriff de Portland, por exemplo, já veio desmentir que alguma vez tivesse expressado apoio ao ainda Presidente americano. Diz-se por aí que Trump arrastou Biden para a lama. Eu tenho uma leitura diferente: Trump tem vindo a arrastar os EUA para lama. Os EUA, nestes árduos anos, tem vindo a perder influência e reputação ...