Avançar para o conteúdo principal

Clima de condicionamento de liberdades


Parece que nestes últimos meses vive-se, em Portugal, um clima de algum condicionamento de liberdades. Depois de uma sucessão de casos que indiciaram a existência de algum cerceamento das liberdades surgem agora duas novas (velhas) situações em que as liberdades dos cidadãos andam pelas ruas da amargura. Senão vejamos: primeiro foi no domingo em Montemor-o-Velho com a actuação desmesurada da GNR numa concentração de sindicalistas, com a identificação de alguns dos participantes; agora foi a visita extemporânea e mal explicada de dois agentes da PSP às instalações do Sindicato dos Professores da Região Centro que preparavam uma manifestação na cidade da Covilhã – o primeiro-ministro preparava-se para visitar uma escola nesta mesma cidade.

O caso até poderia passar despercebido se se percebesse o porquê da “visita” dos polícias às instalações do sindicato, alegadamente com o objectivo de recolher informações sobre a manifestação – terá sido mesmo este o objectivo da polícia? E não haveria outra forma de recolher informações relativas à manifestação (hora, local, exacta localização dos manifestantes)? Ou será que o objectivo da polícia era a recolha de outro tipo de informação? E não será que esta “visita” da polícia às instalações do sindicato não nos faz lembrar tempos idos em que a intimidação vigorava?

A resposta a estas perguntas poderá vir com o tempo. Mas de uma coisa podemos estar certos: o Governo, e em particular o primeiro-ministro não se dão muito bem com os ares da contestação.

Se por um lado, é possível aferir que a situação não configura um claro atropelo às liberdades dos cidadãos, por outro lado, ficamos com a indelével sensação de que existem tentativas frequentes de condicionamento de liberdades consideradas essenciais num Estado democrático. É curioso verificar que os professores têm sido particularmente visados neste contexto de evidente cerceamento de liberdades. Não há muito tempo uma associação de professores foi impedida de se reunir com a inefável ministra da Educação por discordar da mesma, e os professores que procuram manifestar o seu descontentamento não têm melhor sorte com o actual Executivo.

São várias as situações em que se percepciona a exiguidade do Governo em matéria de liberdades. Os professores são visados porque têm sido eles a face mais visível do clima de descontentamento que se vive Portugal. E é o Governo já deu provas suficientes que lida com esse descontentamento de duas formas: ou através da arrogância e sobranceria de quem parece governar para um país do faz-de-conta, ou vai mais longe e mostra a seu lado mais irascível e pouco tolerante que não se coaduna com o Estado democrático.
´

Os governos não podem apenas cingir a sua actuação à gestão do país, têm igualmente de dar um forte contributo para a consolidação da democracia – essa é uma missão que tem sido amiúde desprezada pelo o actual Executivo. E se as manifestações de descontentamento não são fáceis para quem governa, é precisamente a forma como se lida com essas manifestações que faz a destrinça entre quem governa num contexto democrático – salvaguardando os direitos e liberdades dos cidadãos -, e entre quem ignora os mais elementares princípios democráticos. É também assim que se faz a distinção entre o bom governo e o mau governo.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Normalização do fascismo

O PSD Açores, e naturalmente com a aprovação de Rui Rio, achou por bem coligar-se com o "Chega". Outros partidos como o Iniciativa Liberal (IL) e o CDS fizeram as mesmas escolhas, ainda que o primeiro corra atrás do prejuízo, sobretudo agora que a pandemia teve o condão de mostrar a importância do Estado Social que o IL tão avidamente pretende desmantelar, e o segundo se tenha transformado numa absoluta irrelevância. Porém, é Rui Rio, o mesmo que tem cultivado aquela imagem de moderado, que considera que o "Chega" nos Açores é diferente do "Chega" nacional. Rui Rio, o moderado, considera mesmo que algumas medidas do "Chega" como a estafada redução do Rendimento Social de Inserção é um excelente medida. Alheio às características singulares da região, Rui Rio pensa que com a ajuda do "Chega" vai tirar empregos da cartola para combater a subsidiodependência de que tanto fala, justificando deste modo a normalização que está a fazer de um pa...

Fim do sigilo bancário

Tudo indica que o sigilo bancário vai ter um fim. O Partido Socialista e o Bloco de Esquerda chegaram a um entendimento sobre a matéria em causa - o Bloco de Esquerda faz a proposta e o PS dá a sua aprovação para o levantamento do sigilo bancário. A iniciativa é louvável e coaduna-se com aquilo que o Bloco de Esquerda tem vindo a propor com o objectivo de se agilizar os mecanismos para um combate eficaz ao crime económico e ao crime de evasão fiscal. Este entendimento entre o Bloco de Esquerda e o Partido Socialista também serve na perfeição os intentos do partido do Governo. Assim, o PS mostra a sua determinação no combate à corrupção e ao crime económico e, por outro lado, aproxima-se novamente do Bloco de Esquerda. Com efeito, a medida, apesar de ser tardia, é amplamente aplaudida e é vista como um passo certo no combate à corrupção, em particular quando a actualidade é fortemente marcada por suspeições e por casos de corrupção. De igual forma, as perspectivas do PS conseguir uma ma...

Mais uma indecência a somar-se a tantas outras

 O New York Times revelou (parte) o que Donald Trump havia escondido: o seu registo fiscal. E as revelações apenas surpreendem pelas quantias irrisórias de impostos que Trump pagou e os anos, longos anos, em que não pagou um dólar que fosse. Recorde-se que todos os presidentes americanos haviam revelado as suas declarações, apenas Trump tudo fizera para as manter sem segredo. Agora percebe-se porquê. Em 2016, ano da sua eleição, o ainda Presidente americano pagou 750 dólares em impostos, depois de declarar um manancial de prejuízos, estratégia adoptada nos tais dez anos, em quinze, em que nem sequer pagou impostos.  Ora, o homem que sempre se vangloriou do seu sucesso como empresário das duas, uma: ou não teve qualquer espécie de sucesso, apesar do estilo de vida luxuoso; ou simplesmente esta foi mais uma mentira indecente, ou um conjunto de mentiras indecentes. Seja como for, cai mais uma mancha na presidência de Donald Trump que, mesmo somando indecências atrás de indecência...