Avançar para o conteúdo principal

Inércia colectiva

O país tem vindo a caracterizar-se por uma espécie de inércia colectiva que contribui inexoravelmente para o atraso do país. Mas em que é que consiste exactamente essa inércia? Consiste numa paralisação voluntária que imobiliza a participação dos cidadãos na construção do país. É um erro crasso incutir a responsabilidade do progresso apenas nos governantes, e de facto, em Portugal olha-se para o Estado como sendo o principal impulsionador das mudanças necessárias ao desenvolvimento. Nada mais errado – um país imobilizado é um país que resiste a essas mudanças, caminhando assim em sentido contrário ao progresso.
O desinteresse mais ou menos generalizado pelas reformas do Governo; a ideia preconcebida de que é o Estado o único motor de mudança; o egocentrismo associado a condição de cada um, remetendo para a irrelevância as políticas que afectam os outros, seja eles funcionários públicos, pensionistas, ou outros concidadãos, são sintomáticos do desinteresse que se generalizou. Não é menos verdade que o sinuoso acesso à cultura, a parca formação dos recursos humanos e a inexistência de uma cidadania activa condicionam a participação dos cidadãos nas grandes decisões.
De igual modo, a cultura de desinformação aliada a um gosto excessivo pela trivialidade – a televisão, passatempo por excelência dos portugueses, é o paradigma dessa aliança improfícua – não permitem o livre pensamento, o debate de ideias, o interesse pelo presente e futuro do país. A vida de cada um resume-se invariavelmente aos interesses e necessidades pessoais, esquece-se, contudo, que é o conjunto de cidadãos que pode, efectivamente, encetar mudanças. O contributo dos cidadãos não pode se resumir à participação eleitoral e pouco mais; quando é precisamente a inércia de muitos de nós que tem perpetuado a premissa – mais ou menos assumida pelo Governo – do “quero, posso e mando”. A intolerância, o incentivo à delação, a imposição de políticas que prejudicam uma classe média paralisada, enfim, o país à deriva é o resultado de um vasto conjunto de pessoas que se demitiu da tarefa de participar na construção de um Portugal mais equitativo e mais moderno, em suma, mais desenvolvido.
Assim, não é por acaso que persiste a sensação de não sairmos do mesmo lugar, a não ser nos sucessivos recuos a que somos sujeitados. É tudo consequência do desinteresse, do imobilismo e da estagnação de um povo que parece viver em função do próximo episódio de uma qualquer telenovela, ou de um jogo de futebol. Dir-se-á que estes são meros entretenimentos e que contribuem para a felicidade de muitos. Contudo, a questão que se impõe é a seguinte: Mas há mais do que isso? Ou ficamo-nos por aí? A resposta é dada todos dias. Entretanto, o mundo não pára, só nós é que nos desinteressámos. O Governo agradece.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Mais uma indecência a somar-se a tantas outras

 O New York Times revelou (parte) o que Donald Trump havia escondido: o seu registo fiscal. E as revelações apenas surpreendem pelas quantias irrisórias de impostos que Trump pagou e os anos, longos anos, em que não pagou um dólar que fosse. Recorde-se que todos os presidentes americanos haviam revelado as suas declarações, apenas Trump tudo fizera para as manter sem segredo. Agora percebe-se porquê. Em 2016, ano da sua eleição, o ainda Presidente americano pagou 750 dólares em impostos, depois de declarar um manancial de prejuízos, estratégia adoptada nos tais dez anos, em quinze, em que nem sequer pagou impostos.  Ora, o homem que sempre se vangloriou do seu sucesso como empresário das duas, uma: ou não teve qualquer espécie de sucesso, apesar do estilo de vida luxuoso; ou simplesmente esta foi mais uma mentira indecente, ou um conjunto de mentiras indecentes. Seja como for, cai mais uma mancha na presidência de Donald Trump que, mesmo somando indecências atrás de indecências, vai fa

Normalização do fascismo

O PSD Açores, e naturalmente com a aprovação de Rui Rio, achou por bem coligar-se com o "Chega". Outros partidos como o Iniciativa Liberal (IL) e o CDS fizeram as mesmas escolhas, ainda que o primeiro corra atrás do prejuízo, sobretudo agora que a pandemia teve o condão de mostrar a importância do Estado Social que o IL tão avidamente pretende desmantelar, e o segundo se tenha transformado numa absoluta irrelevância. Porém, é Rui Rio, o mesmo que tem cultivado aquela imagem de moderado, que considera que o "Chega" nos Açores é diferente do "Chega" nacional. Rui Rio, o moderado, considera mesmo que algumas medidas do "Chega" como a estafada redução do Rendimento Social de Inserção é um excelente medida. Alheio às características singulares da região, Rui Rio pensa que com a ajuda do "Chega" vai tirar empregos da cartola para combater a subsidiodependência de que tanto fala, justificando deste modo a normalização que está a fazer de um pa

Outras verdades

 Ontem realizou-se o pior debate da história das presidenciais americanas. Trump, boçal, mentiroso, arrogante e malcriado, versus Biden que, apesar de ter garantido tudo fazer  para não cair na esparrela do seu adversário, acabou mesmo por cair, apelidando-o de mentiroso e palhaço.  Importa reconhecer a incomensurável dificuldade que qualquer ser humano sentiria se tivesse que debater com uma criança sem qualquer educação. Biden não foi excepção. Trump procurou impingir todo o género de mentiras, que aos ouvidos dos seus apoiante soam a outras verdades, verdades superiores à própria verdade. Trump mentiu profusamente, até sobre os seus pretensos apoios. O sheriff de Portland, por exemplo, já veio desmentir que alguma vez tivesse expressado apoio ao ainda Presidente americano. Diz-se por aí que Trump arrastou Biden para a lama. Eu tenho uma leitura diferente: Trump tem vindo a arrastar os EUA para lama. Os EUA, nestes árduos anos, tem vindo a perder influência e reputação e Trump é o ma