
A globalização, fenómeno incontornável dos nossos dias, só foi possível graças à rápida evolução tecnológica, designadamente na área da informática. Teoricamente, pensar-se-á nas inúmeras oportunidades que são proporcionadas pela abertura dos mercados e o pelo fim anunciado do proteccionismo – para muitos a panaceia para grande parte dos constrangimentos das trocas comerciais. Infelizmente, os efeitos perversos de uma globalização desregulada começam a ser cada vez mais evidentes. O desemprego que grassa um pouco por todo o mundo; o mais do que provável fim do modelo social europeu; as deslocalizações; o “dumping social”; as crescentes assimetrias entre países e o recrudescimento das desigualdades no seio das sociedades ocidentais são efeitos negativos da globalização.
Note-se que a ausência de regras, para além das imbecilidades proferidas por alguns responsáveis de organismos supranacionais, é uma das principais causas do aumento exponencial das desigualdades. Embora se afirme que a abertura de mercados permite, com elevado grau de exequibilidade, o aumento da igualdade no acesso a esses mercados, o que se verifica é que nem aqueles que regurgitam incessantemente as virtudes desta globalização conseguem esconder que esse acesso na prática não existe. Os países mais ricos encontrarão invariavelmente expedientes com a finalidade de evitar que países menos desenvolvidos e politicamente insignificantes consigam livre acesso aos seus mercados em pé de igualdade. Com efeito, será que a União Europeia seria capaz de abdicar das suas políticas agrícolas proteccionistas?
Na verdade, esta globalização não está muito longe de ser sustentada pelo capitalismo mais selvagem. A hipocrisia reside na pouca importância dada ao mais completo desrespeito pelos direitos humanos em países como a China – país colossal que se aproveitou da complacência dos EUA e da UE para entrar, sem grandes dificuldades, para a Organização Mundial do Comércio. A inexistência de direitos sociais é, pois, irrelevante para as grandes potenciais mundiais. Estas incongruências são aceites e fazem parte de um jogo cujas regras dependem da importância, amiúde geo-estratégica, dos países.
Por outro lado, surgem as cada vez mais gritantes desigualdades nos países ocidentais. O despedimento de milhares de pessoas por uma qualquer multinacional não faz parte do discurso oficial do séquito de aduladores deste sistema iníquo. Nem tão-pouco lhes parece oportuno equacionar formas de mitigar os problemas sociais decorrentes do tal capitalismo selvagem que tanto defendem. Assim, a retórica da inevitabilidade vingou: o desemprego é um efeito colateral pouco importante e ultrapassável. De que modo? Através de uma flexibilização das leis laborais, i.e. através do aumento da precariedade do emprego. Ou seja, é inevitável que o emprego seja caracterizado por uma constante insegurança, é inevitável um retrocesso nas condições de vida, assim como é inevitável um aumento das desigualdades. Até porque este é um sistema de vencedores (um clube restrito) e de vencidos (a esmagadora maioria).
A carência de organismos reguladores da globalização, para além dos lacaios do sistema – OMC, FMI, Banco Mundial, etc. –, permite que as iniquidades perdurem. Paralelamente, a tibieza caracteriza quem defende os direitos sociais, e tanto mais é assim quando se constata que as estruturas sindicais a nível mundial estão condicionadas por divergências ou por falta de peso ao nível das negociações. Em contrapartida, os que vivem em perfeita harmonia com o neoliberalismo encontram convergências e estão perfeitamente organizados. E é com este pano de fundo que os governos tentam exasperantemente ter um papel de relevância a desempenhar, enquanto observam impotentes à superioridade dos grandes grupos económicos. Será por acaso que, em Portugal, se comece a assistir à substituição de serviços outrora assegurados pelo Estado, serem agora fonte de lucro para grandes grupos económicos? A tão desejada área da saúde é já um principio… Todavia, esta substituição de competências em nome do lucro acarreta perigos reais para as democracias. Para além da fragilização dos próprios governos, é o povo soberano que deixa de ter o papel decisório em diversas matérias. Este é um mau presságio para a viabilidade das democracias ocidentais.
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