Avançar para o conteúdo principal

Greve Geral


Hoje, dia 30 de Maio, é dia de greve geral, mas em vez de se discutirem as razões e as consequências desta greve, perde-se demasiado tempo com a habitual guerra de números. O Governo, por um lado, lança para a opinião pública o reduzido número de serviços afectados pela greve; a CGTP, por outro, dá a sua versão dos factos que geralmente se traduz num elevado número de trabalhadores que aderiram à greve e a consequente paralisação de serviços. Ao invés de se perder demasiado tempo com discussões bizantinas, seria de uma enorme proficuidade que o Governo percebesse que independentemente dos números, muitos portugueses estão descontentes com a situação do país.

Com efeito, o Governo tentou subverter o direito à greve, e ao fazê-lo denota o carácter mesquinho desta governação. A tentativa de controlar os trabalhadores que fazem greve – através de uma contagem mascarada por um falso pretexto contabilístico – é sintomática do desconforto que é sentido por quem nos governa de cada vez que existe uma manifestação de descontentamento. E é precisamente disso que se trata – da manifestação do descontentamento generalizado. Embora se aceite algumas medidas difíceis que o Governo encetou com vista a reduzir o défice, tem de se compreender e aceitar as razões que levam tantas pessoas a protestarem: a cada vez mais generalizada precariedade do emprego, o retrocesso que se verifica na carreira de muitos trabalhadores, o desemprego, as políticas do Governo para os trabalhadores da função pública, ausência de condições de trabalho são razões mais do que suficientes para manifestar uma profunda insatisfação.

Aquilo que o Governo, conspurcado pela sua cegueira e insensibilidade, não vê é que não é apenas o presente que preocupa quem trabalha, mas é essencialmente o futuro que provoca uma acentuada inquietação – ou seja, é a ausência de perspectivas de um futuro melhor que dá um forte contributo para aumentar o descontentamento. Quando se observa que são os trabalhadores a serem amplamente prejudicados, e esta é uma situação recorrente, e quando o Governo é incapaz de dialogar com os portugueses, não haverá seguramente muita esperança no futuro. E mais: quando se verifica que a ausência de políticas com o objectivo de melhorar áreas estratégicas para o desenvolvimento do país – educação e justiça, por exemplo – persistem em continuar, ficamos com a sensação indelével de não sairmos do mesmo sítio.

A tão publicitada, mas tão pouco consistente modernização do país que embeleza a retórica do Governo não pode ser feita à custa dos trabalhadores – como é, de resto, habitual. O Governo não pode continuar a ignorar os sinais de descontentamento de muitos portugueses. Nem deve pensar que pode fazer tudo o que entender com a sua abençoada maioria absoluta. Este é um povo paciente e às vezes até adormecido, mas não se espere que quando acordar fique tudo na mesma.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Mais uma indecência a somar-se a tantas outras

 O New York Times revelou (parte) o que Donald Trump havia escondido: o seu registo fiscal. E as revelações apenas surpreendem pelas quantias irrisórias de impostos que Trump pagou e os anos, longos anos, em que não pagou um dólar que fosse. Recorde-se que todos os presidentes americanos haviam revelado as suas declarações, apenas Trump tudo fizera para as manter sem segredo. Agora percebe-se porquê. Em 2016, ano da sua eleição, o ainda Presidente americano pagou 750 dólares em impostos, depois de declarar um manancial de prejuízos, estratégia adoptada nos tais dez anos, em quinze, em que nem sequer pagou impostos.  Ora, o homem que sempre se vangloriou do seu sucesso como empresário das duas, uma: ou não teve qualquer espécie de sucesso, apesar do estilo de vida luxuoso; ou simplesmente esta foi mais uma mentira indecente, ou um conjunto de mentiras indecentes. Seja como for, cai mais uma mancha na presidência de Donald Trump que, mesmo somando indecências atrás de indecências, vai fa

Outras verdades

 Ontem realizou-se o pior debate da história das presidenciais americanas. Trump, boçal, mentiroso, arrogante e malcriado, versus Biden que, apesar de ter garantido tudo fazer  para não cair na esparrela do seu adversário, acabou mesmo por cair, apelidando-o de mentiroso e palhaço.  Importa reconhecer a incomensurável dificuldade que qualquer ser humano sentiria se tivesse que debater com uma criança sem qualquer educação. Biden não foi excepção. Trump procurou impingir todo o género de mentiras, que aos ouvidos dos seus apoiante soam a outras verdades, verdades superiores à própria verdade. Trump mentiu profusamente, até sobre os seus pretensos apoios. O sheriff de Portland, por exemplo, já veio desmentir que alguma vez tivesse expressado apoio ao ainda Presidente americano. Diz-se por aí que Trump arrastou Biden para a lama. Eu tenho uma leitura diferente: Trump tem vindo a arrastar os EUA para lama. Os EUA, nestes árduos anos, tem vindo a perder influência e reputação e Trump é o ma

Normalização do fascismo

O PSD Açores, e naturalmente com a aprovação de Rui Rio, achou por bem coligar-se com o "Chega". Outros partidos como o Iniciativa Liberal (IL) e o CDS fizeram as mesmas escolhas, ainda que o primeiro corra atrás do prejuízo, sobretudo agora que a pandemia teve o condão de mostrar a importância do Estado Social que o IL tão avidamente pretende desmantelar, e o segundo se tenha transformado numa absoluta irrelevância. Porém, é Rui Rio, o mesmo que tem cultivado aquela imagem de moderado, que considera que o "Chega" nos Açores é diferente do "Chega" nacional. Rui Rio, o moderado, considera mesmo que algumas medidas do "Chega" como a estafada redução do Rendimento Social de Inserção é um excelente medida. Alheio às características singulares da região, Rui Rio pensa que com a ajuda do "Chega" vai tirar empregos da cartola para combater a subsidiodependência de que tanto fala, justificando deste modo a normalização que está a fazer de um pa