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França: entre o purgatório e o inferno

Os franceses encontram-se presos entre o purgatório e o inferno, ou seja entre Macron e as suas políticas neoliberais, mesmo que pintadas com a cor verde, e a extrema-direita que deixou de espreitar pela esquina para se mostrar orgulhosamente disposta a tomar conta do país. Ora, as manifestações levadas a cabo pelos “coletes amarelos”, primeiro devido ao preço dos combustíveis, depois por causa de outras razões – na sua maioria resultantes do já referido neoliberalismo – põem a nu as escolhas com que os franceses se deparam.
Este dilema, a que o desaparecimento da esquerda em França não é alheio, poderá servir os interesses de Macron que sabe que dificilmente os franceses querem, de facto, ser governados pela extrema-direita xenófoba e sem qualquer espécie de soluções para os problemas económicos, mas entalada num estranho e anódino misto entre neoliberalismo e proteccionismo – numa espécie do pior dos dois mundos. De resto, num cenário de segunda volta para as eleições presidenciais, colocando frente a frente Macron e Le Pen, creio, e Macron também alimentará a mesma crença, ganhará Macron.
É evidente que esse cenário não é garantido, assim como a violência que tomou conta das ruas de Paris, num cenário amiúde semelhante a uma guerra, deve levantar sérias inquietações ao Governo e à Presidência de Macron.
Paralelamente, também parece óbvio que o levantamento popular serve os interesses imediatos daqueles que querem uma nova solução política que eles próprios estão dispostos a encabeçar. Refiro-me naturalmente à extrema-direita de Marine Le Pen e não ao que resta da esquerda, sem hipóteses de vencer eleições.
Em suma, e numa primeira análise, a revolta serve os interesses da extrema-direita que acalenta assim a esperança de derrubar a actual solução política, ir a eleições e vencer. No entanto, creio, ao invés, que a revolta apenas vem colocar em cima da mesa o já referido dilema: ou o neoliberalismo de Macron ou a extrema-direita, naturalmente vazia de ideias e cheia de preconceitos, de Le Pen. E perante o dilema, os franceses escolherão Macron.
De qualquer modo, não devemos deixar de nos preocuparmos com a crescente e perigosa ingenuidade de pensar que a democracia sobrevive à intolerância.

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