Avançar para o conteúdo principal

Votos e bastonadas

A Catalunha procura a sua independência desde o século XVII. As revoltas ora com o apoio do reino francês, ora com os austríacos foram reprimidas e o aumento de autonomia conseguido no início do século XX acabou condicionado por Primo de Rivera e depois severamente cerceado por Francisco Franco. A democracia trouxe naturalmente mais autonomia, com o reconhecimento da língua catalã, reconhecimento da nacionalidade, criação da Generaliat e do Parlamento – o Estatuto da Autonomia para a Catalunha.
Esses avanços, no entanto, poderiam ir mais longe, através de um compromisso espanhol para reforçar a autonomia que incluía a questão dos impostos que acabou travada pelas autoridades espanholas e cujo papel principal pertenceu ao Partido Popular. E em 2014 são anulados 14 artigos – um sucesso para o PP e uma desilusão para a Catalunha.
A par deste defraudar de expectativas veio a austeridade também ela com o rosto de Rajoy – um forte contributo para o fim do diálogo.
O referendo de ontem é considerado ilegal à luz da Constituição espanhola, mas por outro lado os catalães consideram que têm o direito à votação – elemento básico da democracia. Ora, reprimir a vontade soberana de um povo primeiro recorrendo a prisões e à apreensão de boletins de votos e ontem através da violência não só é ignóbil como reforça a posição dos independentistas, enfraquecendo, subsequentemente, o já anódino Presidente do Governo de Espanha.
Podemos discutir o peso da constituição e o direito à autodeterminação dos povos; deve-se fazer uso da lei num Estado de Direito, mas com proporção e nunca com recurso à mais abjecta violência sobre cidadãos indefesos. Rajoy ultrapassou a linha do aceitável e deveria, pelo menos, afastar-se do cargo. Ver cidadãos que apenas pretendem votar serem espancados e corridos à bastonada faz-nos questionar que interpretação de democracia fazem políticos como Rajoy e seus apaniguados.
Entretanto, a corrente independentista sai reforçada, graças precisamente à actuação inaceitável do Presidente do Governo de Espanha, Mariano Rajoy. Saiu-lhe o tiro pela culatra. 90 % dos catalães votaram pela independência.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Normalização do fascismo

O PSD Açores, e naturalmente com a aprovação de Rui Rio, achou por bem coligar-se com o "Chega". Outros partidos como o Iniciativa Liberal (IL) e o CDS fizeram as mesmas escolhas, ainda que o primeiro corra atrás do prejuízo, sobretudo agora que a pandemia teve o condão de mostrar a importância do Estado Social que o IL tão avidamente pretende desmantelar, e o segundo se tenha transformado numa absoluta irrelevância. Porém, é Rui Rio, o mesmo que tem cultivado aquela imagem de moderado, que considera que o "Chega" nos Açores é diferente do "Chega" nacional. Rui Rio, o moderado, considera mesmo que algumas medidas do "Chega" como a estafada redução do Rendimento Social de Inserção é um excelente medida. Alheio às características singulares da região, Rui Rio pensa que com a ajuda do "Chega" vai tirar empregos da cartola para combater a subsidiodependência de que tanto fala, justificando deste modo a normalização que está a fazer de um pa...

Outras verdades

 Ontem realizou-se o pior debate da história das presidenciais americanas. Trump, boçal, mentiroso, arrogante e malcriado, versus Biden que, apesar de ter garantido tudo fazer  para não cair na esparrela do seu adversário, acabou mesmo por cair, apelidando-o de mentiroso e palhaço.  Importa reconhecer a incomensurável dificuldade que qualquer ser humano sentiria se tivesse que debater com uma criança sem qualquer educação. Biden não foi excepção. Trump procurou impingir todo o género de mentiras, que aos ouvidos dos seus apoiante soam a outras verdades, verdades superiores à própria verdade. Trump mentiu profusamente, até sobre os seus pretensos apoios. O sheriff de Portland, por exemplo, já veio desmentir que alguma vez tivesse expressado apoio ao ainda Presidente americano. Diz-se por aí que Trump arrastou Biden para a lama. Eu tenho uma leitura diferente: Trump tem vindo a arrastar os EUA para lama. Os EUA, nestes árduos anos, tem vindo a perder influência e reputação ...

Fim do sigilo bancário

Tudo indica que o sigilo bancário vai ter um fim. O Partido Socialista e o Bloco de Esquerda chegaram a um entendimento sobre a matéria em causa - o Bloco de Esquerda faz a proposta e o PS dá a sua aprovação para o levantamento do sigilo bancário. A iniciativa é louvável e coaduna-se com aquilo que o Bloco de Esquerda tem vindo a propor com o objectivo de se agilizar os mecanismos para um combate eficaz ao crime económico e ao crime de evasão fiscal. Este entendimento entre o Bloco de Esquerda e o Partido Socialista também serve na perfeição os intentos do partido do Governo. Assim, o PS mostra a sua determinação no combate à corrupção e ao crime económico e, por outro lado, aproxima-se novamente do Bloco de Esquerda. Com efeito, a medida, apesar de ser tardia, é amplamente aplaudida e é vista como um passo certo no combate à corrupção, em particular quando a actualidade é fortemente marcada por suspeições e por casos de corrupção. De igual forma, as perspectivas do PS conseguir uma ma...