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Racismo institucional

Não, não devemos deixar cair no esquecimento as palavras de André Ventura; não, não podemos escolher o silêncio; e não, as palavras do candidato do PSD à Câmara de Loures não podem entrar num qualquer contexto de normalidade, desde logo porque se trata de um cidadão que se propõe representar os cidadãos e, por inerência, o Estado (nível local); nem tão-pouco é admissível que o PSD insista em apoiar o candidato, perfilhando, naturalmente, o racismo institucional a que o candidato se propõe.
No entanto, e apesar da mais veemente crítica às palavras do candidato à Câmara assim como ao próprio PSD, considero profícuo perceber as razões que subjazem a esta estratégia, por muitos considerada populista.
Deste modo, torna-se imperativo reconhecer que onde existem falhanços, designadamente do Estado, surgem as condições para que o racismo possa proliferar. Esses falhanços não podem continuar a ser ignorados, sob pena de se agravar a animosidade que rapidamente se transforma num racismo empírico; é contraproducente nada fazer contra a permissividade na aplicação da lei, com uma certa benevolência, criando óbices à igualdade que se pretende; assim como é imperativo que mais seja feito para combater a pobreza e as desigualdades – contexto em que proliferam as divisões sobretudo entre quem mais tem dificuldades económicas; divisões amiúde baseadas na raça e num sentimento de injustiça.
Ora estas situações alimentam o referido racismo empírico (de quem assiste à impunidade aos olhos da lei e de quem considera que a sua situação não melhora devido a subsídios como o RSI, sentindo uma nova injustiça) e são a base da via populista que André Ventura claramente adoptou, assim como o PSD. De resto, olhamos para o particular e para quem mais se aproxima de nós e temos mais facilidade em rejeitar, do que olhar para um contexto mais genérico e talvez mais complexo. Tratam-se de percepções erradas, assentes em generalizações abusivas, mas que existem e que constituem verdadeiros rastilhos de pólvora.
O Estado deve empenhar-se no sentido de enfraquecer a ideia que rapidamente se espalha e que postula que existem minorias que têm carta branca para fazerem aquilo que entenderem, à revelia da lei, num contexto de absoluta impunidade; ou a ideia de que se trata de um conjunto de privilegiados.
Enterrar a cabeça na areia ou gritar “racismo” não resolve o que quer que seja, ao invés cria as condições ideais para que o racismo institucional possa mesmo vir a ser uma realidade. Hoje consideramos que esse populismo assente na discriminação não vinga a nível nacional, mas começamos a ter dúvidas se não vingará, a nível local, em contextos onde a dita animosidade é indisfarçável.
Seja como for, Passos Coelho como bom aproveitador e imerso num mar de desespero sabe bem o potencial desta forma de populismo e, como se vê, está disposto a perfilhá-lo, entrando em contradição com a natureza do partido que preside, indo contra a própria Constituição da República, coisa, aliás, a que já estará habituado.

Em jeito de conclusão, dizer apenas que o tal candidato à Câmara de Loures, André Ventura, não é propriamente estreante nestas andanças. Há um ano atrás defendeu publicamente “uma redução drástica da presença islâmica na União Europeia”. Um sinal claro e mais um exemplo de que a discriminação não se fica apenas por um grupo minoritário. Primeiro foram os muçulmanos (pelo menos que se saiba), depois foram os ciganos, e depois? Quem?

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