Já
estamos habituados à guerra dos números: taxa de desemprego,
crescimento económico, défice, etc. Indicadores económicos que
enchem páginas de jornais e tempo de antena. Menos habituados
estaremos aos números da morte, e espero que a esses nunca nos
habituemos.
Refiro-me,
claro está, à mais recente celeuma em torno dos números de vítimas
mortais dos incêndios do passado mês de Junho. São esses números,
oficiais ou nem tanto, a ocuparem todo o espaço mediático.
O
poder local, designadamente os três Presidentes de Câmara das
regiões afectadas pelos incêndios, afirmaram desconhecer outros
números para além dos oficiais; o Governo nada diz sobre o assunto
porque o mesmo está sob segredo de justiça; e a oposição,
sobretudo um PSD em plena transformação num partido populista,
depois do estrondoso falhanço neoliberal, saliva perante toda e
qualquer suspeita de incongruência que possa ser imputada ao actual
Executivo. Nessa precisa medida, o seu líder parlamentar, Hugo
Soares, faz um ultimato ao Governo de Costa: têm 24 horas para
divulgar a lista com os números exactos, ou... ou... ou... não se
sabe. Soares não disse quais serão as consequências se o Governo
não cumprir o solicitado no prazo de 24 horas. Aliás, quando as
mesmas chegarem ao seu término, aposto que o mundo continuará a
girar.
Sabemos
que esta é uma altura má para alguns jornalistas e para a oposição:
os números da economia continuam a ser particularmente positivos, as
férias obrigam a um certo desprendimento e o campeonato nacional de
futebol ainda não começou. Enchem-se chouriços com conjecturas e
até teorias da conspiração entrevistando quem, desprovido de
factos ou base empírica, afiança conhecer mais vítimas para além
das oficiais, numa espécie de concurso mórbido do "Quem quer
ter um minutinho de fama que avance com mais uma vítima mortal".
Porém, a insistência num único assunto, abordado com base em
suposições, de tal forma exacerbado que ultrapassa os limites da
decência, revela-se contraproducente. Senhores jornalistas e
apaniguados de Passos Coelho fiquem cientes do seguinte: as pessoas
estão cansadas da exploração de um tema que já contém em si uma
tristeza que a todos nos atinge e continuará a atingir por muito
tempo. As pessoas sabem que essa exploração desmedida tem como
finalidade atingir o Governo que continua a ser um osso difícil de
roer para a oposição, mas também para um certo jornalismo outrora
considerado sério e credível.
Entretanto
o CDS ameaçou com uma moção de censura. Entretanto, a
Procuradoria-Geral da República divulgou a lista oficial, o que
poderá colocar um ponto final na polémica, mas não apagará o
aproveitamento indecente levado a cabo pelos partidos de direita.
Este
texto, exceptuando as últimas duas linhas, foi dedicado e enviado ao Director do Expresso.
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