Avançar para o conteúdo principal

(Ainda) não é altura para politiquices

A tragédia que assolou o país tem uma dimensão que não permite que se perca tempo com politiquices, acusações, dedos em riste. Nem tão-pouco será tempo para a política, a genuína e não vulgar, entrar em campo, através de uma qualquer deriva legislativa em cima do acontecimento. O que não quer dizer que se entre num período obscurantista, muito pelo contrário, hoje e no futuro, como deveria ter sido feito no passado, é imperativo de ouvir quem sabe destas matérias. Tendo sempre em vista as alterações climáticas e o seu expectável agravamento.
Este será o tempo de acudir a quem necessita e nem seria preciso fazer uma afirmação tão óbvia não fosse um ou outro responsável político vir a terreiro apontar o dedo. E por falar em vulgaridades, Hélder Amaral, deputado do CDS, aponta o dedo ao Presidente, afirmando que "não basta um Presidente dar beijinhos no dói-dói e dizer que não há nada a fazer". Sim, Hélder Amaral tem feito muito para a resolução deste e de outros problemas. Não se lembram? Eu também não.
Vamos por partes: Marcelo Rebelo de Sousa não afirmou taxativamente que não há nada a fazer, procurando antes dar aquilo que num momento de aflição é, amiúde, a única coisa que se pode proporcionar: conforto e solidariedade. De resto, o apelo à união não se faz apenas em momentos de felicidade que antecedem um jogo de futebol; os momentos de união devem ser fortalecidos precisamente em situações de calamidade, como o Presidente muito bem lembrou.
Por outro lado, tratou-se, segundo a Polícia Judiciária, de um fenómeno da natureza. No entanto, compreende-se a necessidade de ter um ou mais culpados físicos e não abstractos, é mais fácil apontar o dedo. Quanto aos meios no terreno se foram suficientes ou não, haverá sempre essa discussão e o mais certo é não serem os suficientes, nunca o serão. E também parece evidente que não se ouve quem tecnicamente tem competências para dar contributos profícuos e eventualmente decisivos.
Hélder Amaral, por exemplo, poderia dar um contributo mais saudável para a discussão, designadamente abordando os tempos em que a líder do seu partido foi ministra da Agricultura (entre outras coisas de que ninguém se lembra) e as políticas desta quanto à proliferação de eucaliptos. E se queremos recuar no tempo, oiçamos Miguel Sousa Tavares lembrar o papel do Governo de Cavaco Silva.
Seja como for, anda não é o tempo para politiquices, elas acabarão por vir, inevitavelmente.
Quanto ao deputado do CDS e outros que chegam a pugnar pela demissão da ministra da Administração Interna, procurem dar tempo ao tempo. Bem sei que existe algum desespero em certas hostes, mas o aproveitamento político de uma desgraça como aquela que assolou o país no passado sábado é simplesmente obsceno. A título de exemplo, atente-se à forma como o ministro da Agricultura foi entrevistado na SIC por Clara de Sousa.

Todos queremos respostas, todos queremos saber como evitar outra situação semelhante, mas deixe-se passar os três dias de luto nacional. É que para nós serão três dias, para muitos é toda uma vida. E três dias não é muito tempo.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Normalização do fascismo

O PSD Açores, e naturalmente com a aprovação de Rui Rio, achou por bem coligar-se com o "Chega". Outros partidos como o Iniciativa Liberal (IL) e o CDS fizeram as mesmas escolhas, ainda que o primeiro corra atrás do prejuízo, sobretudo agora que a pandemia teve o condão de mostrar a importância do Estado Social que o IL tão avidamente pretende desmantelar, e o segundo se tenha transformado numa absoluta irrelevância. Porém, é Rui Rio, o mesmo que tem cultivado aquela imagem de moderado, que considera que o "Chega" nos Açores é diferente do "Chega" nacional. Rui Rio, o moderado, considera mesmo que algumas medidas do "Chega" como a estafada redução do Rendimento Social de Inserção é um excelente medida. Alheio às características singulares da região, Rui Rio pensa que com a ajuda do "Chega" vai tirar empregos da cartola para combater a subsidiodependência de que tanto fala, justificando deste modo a normalização que está a fazer de um pa...

Fim do sigilo bancário

Tudo indica que o sigilo bancário vai ter um fim. O Partido Socialista e o Bloco de Esquerda chegaram a um entendimento sobre a matéria em causa - o Bloco de Esquerda faz a proposta e o PS dá a sua aprovação para o levantamento do sigilo bancário. A iniciativa é louvável e coaduna-se com aquilo que o Bloco de Esquerda tem vindo a propor com o objectivo de se agilizar os mecanismos para um combate eficaz ao crime económico e ao crime de evasão fiscal. Este entendimento entre o Bloco de Esquerda e o Partido Socialista também serve na perfeição os intentos do partido do Governo. Assim, o PS mostra a sua determinação no combate à corrupção e ao crime económico e, por outro lado, aproxima-se novamente do Bloco de Esquerda. Com efeito, a medida, apesar de ser tardia, é amplamente aplaudida e é vista como um passo certo no combate à corrupção, em particular quando a actualidade é fortemente marcada por suspeições e por casos de corrupção. De igual forma, as perspectivas do PS conseguir uma ma...

Mais uma indecência a somar-se a tantas outras

 O New York Times revelou (parte) o que Donald Trump havia escondido: o seu registo fiscal. E as revelações apenas surpreendem pelas quantias irrisórias de impostos que Trump pagou e os anos, longos anos, em que não pagou um dólar que fosse. Recorde-se que todos os presidentes americanos haviam revelado as suas declarações, apenas Trump tudo fizera para as manter sem segredo. Agora percebe-se porquê. Em 2016, ano da sua eleição, o ainda Presidente americano pagou 750 dólares em impostos, depois de declarar um manancial de prejuízos, estratégia adoptada nos tais dez anos, em quinze, em que nem sequer pagou impostos.  Ora, o homem que sempre se vangloriou do seu sucesso como empresário das duas, uma: ou não teve qualquer espécie de sucesso, apesar do estilo de vida luxuoso; ou simplesmente esta foi mais uma mentira indecente, ou um conjunto de mentiras indecentes. Seja como for, cai mais uma mancha na presidência de Donald Trump que, mesmo somando indecências atrás de indecência...