Era uma vez um coelhinho inconformado.
Inconformado com a sua situação, inconformado com o presente e com
saudades de um passado cinzento que tanto o agradava. O coelhinho de
fofo nada tem, contrariamente à imagem tradicional da espécie a que
pertence, pelo contrário, o coelhinho perdido na floresta, rói-se
de inveja daqueles que ocupam o lugar que ele ainda julga ser seu,
por direito.
O coelhinho acusa o que agora ocupa o
lugar que outrora fora seu de rapar o tacho, uma alusão desesperada
e, em larga medida, assente na sua própria experiência de subsolo
conhecida pelas piores razões – utilizou recursos de outros, sob
falsos pretextos, esbanjando esses recursos. Essa experiência de
subsolo ficou conhecida com tentativa de juntar tecnologia e forma na
mesma palavra. Em suma, rapou o tacho.
O coelhinho que de fofo nada tem
sente-se sozinho, apesar dos seus dois amigos. Todavia, sabe que o
amigo javali mais dia menos dia cravará a suas presas no seu pequeno
corpo, ocupando o seu lugar. A sua outra amiga, uma avestruz
amarelada que esconde a cabeça na areia sempre que se fala do seu
passado, olha para o coelhinho com a mesma candura que olha para os
seus companheiros agiotas, não fazendo do coelhinho o ser especial
que ele tanto almeja ser. Diz-se por aí que o coelhinho tem uns
amigos pardais, mas como ele também bem sabe, os pardais, quando os
ventos de mudança soprarem fortes, voarão para outras paragens.
Resta muito pouco ao coelhinho que, no
seu íntimo, sabe estar a colher aquilo que semeou. Mas enquanto a
coisa der, o coelhinho vai fazendo o seu caminho, acusando os outros
de ser aquilo que ele próprio é. Até porque agora o coelhinho nem
tacho tem para rapar, contentando-se com uma mera cenoura, fortemente
alaranjada, mas ressequida.
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