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A boa herança

Depois da Comissão Europeia ter recomendado a saída de Portugal do Procedimento por Défice Excessivo, Luís Montenegro, no Parlamento, apontou o dedo ao agora primeiro-ministro e acusou o seu Governo de viver "à custa da herança deixada pelo anterior Executivo". Assunção Cristas, líder do CDS, e mulher que sabe o quão difícil é trabalhar de saia travada, ainda chamou a si a responsabilidade por uma descida do défice de mais de 11% para pouco menos de 3%. 
O que Montenegro não diz é que durante a vidência do governo PSD/CDS o objectivo sempre foi muito mais abrangente do que a redução do défice. O que sobretudo o PSD fez foi provocar a entrada da Troika com o chumbo do famigerado PEC IV e o aproveitamento dessa entrada para aplicar as políticas que fazem parte do seu ideário: com o aprofundamento da desregulação do mercado laboral, com os cortes nas remunerações, com um aumento da carga fiscal para a esmagadora maioria dos portugueses, existindo naturalmente excepções, com o enfraquecimento do Estado Social e com privatizações de tudo quanto eram empresas públicas. A troika proporcionou-lhes um enquadramento privilegiado para a aplicação de políticas neoliberais que estão subjacentes ao anódino ideário do PSD. O que quer que PSD nos tenha deixado como herança é sempre o resultado de políticas neoliberais. Isto, claro, com a ajuda do fantoche de serviço: o CDS.
É claro que, entretanto,  o PSD a par de outros partidos, esqueceu uma das contradições do capitalismo neoliberal: com a redução de rendimentos e com a invariável necessidade de maximizar o lucro, resta a banca - que já estava em maus lençóis e que durante o mandato de Passos Coelho ficou em frangalhos, facto que inviabilizou a necessidade de despejar créditos para disfarçar o resultado da receita neoliberal: cada vez menos dinheiro para salários, maior empobrecimento, maior desemprego. A isto acresceu a austeridade em doses cavalares e o resultado foi um desastre. A tal herança.

Ora, o PSD pode reclamar o que bem entender, caindo invariavelmente no rídiculo. Agora o que se pede é não esconda de forma tão pueril e medíocre ao que foi e ao que ainda tenta ir. Não esconda o seu neoliberalismo atrás do que restava de uma social-democracia que morreu às mãos de Passos Coelho e de seus acólitos.

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