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E quando não restar mais ninguém para odiar?

É impossível quantificar o peso do preconceito no desfecho das eleições americanas. Mas não tenho dúvidas que esse peso existe e que o mesmo não pode ser descurado. O racismo, a misoginia, a xenofobia e outras formas de intolerância foram exploradas pelo agora Presidente americano Donald Trump. E é tão fácil explorar o preconceito que tem na sua génese a redução do outro a uma característica, ao mínimo e ao nada. Até à cegueira.
Curiosamente, fala-se muito de realidade aumentada – com fenómenos como o Pokémon – e pouco ou nada desta realidade reduzida, outrora mais ou menos escamoteada e hoje gradualmente assumida.
Deste modo, reduzimos o outro à cor da pele, à sua orientação sexual, à sua religião. Assim se fomenta o ódio. Assim é mais fácil eliminar o outro, tirá-lo da equação. E assim temos terreno fértil para o recrudescimento do populismo assente no ódio.
E quando não existir mais ninguém para odiar? O que resta? Odiamos a nós próprios?
Num contexto de niilismo, em larga medida, o niilismo de que falava Nietzsche e que se traduzia na morte dos valores, dos princípios da moral, dando lugar ao vazio e à morte – a que acresce uma classe política desacreditada sem capacidade de recuperar legitimidade e temos o resultado à vista: Donald Trump.

Mas há mais: Donald Trump não é, nem tão-pouco será um fenómeno isolado. Outros lhe antecedem e outros lhe sucederão. A Europa cá vos espera. Cabe-nos a nós, os que recusam o ódio, a conversão do outro ao mínimo e ao nada, lutar, com todas as forças para combater estas ameaças. A tarefa não será fácil, desde logo, porque o discurso simplista que apela aos sentimentos mais primários do ser humano foi e continua a ser um sucesso. E também por isso é tempo de agir.

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