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O infortúnio dos outros

Alguns de nós dão-se bem com o infortúnio dos outros e ainda se dão melhor com exercícios de pretensa superioridade e frequente menosprezo por quem se bate pelos princípios mais elementares de justiça.
Assim se passa com a questão grega. A fúria que se instalou em Portugal, e não só dirigida, ao governo grego e aos próprios gregos é desproporcionada e amiúde irracional, quando eles apenas tiveram a coragem de fazer aquilo que nós somos incapazes de fazer. 
Aconteça o que acontecer, o povo Grego ofereceu-nos lições que não se coadunam com a cegueira das lideranças europeias e com a exiguidade de pensamento de alguns cidadãos.
Pouco interessa conhecer a origem da dívida grega e os negócios subjacentes; não interessa discutir o domínio da banca que contrasta com a miséria do povo; pouco relevância terá discutir a forma como a Grécia foi coadjuvada no processo da criação da dívida pela finança e por Estados-membros interessados em fazer negócios ruinosos; esqueçamos que o dinheiro oriundo do empréstimo praticamente não chegou aos gregos que não chegou a 10 por cento; pouco ou nada interessa ter algum sentido histórico e lembrar países que, depois de destruírem a Europa, tiveram direito a um perdão incomensurável de dívida; e todos esquecemos a forma como a Grécia tem sido tratada pelas instituições europeias, num contexto de verdadeira marginalização, invariavelmente fora dos mecanismos e políticas de apoio a que outros países tiveram direito.
O Governo português colocou-se na linha da frente de países que ostracizam a Grécia. Está em jogo o futuro dos partidos da coligação: um sucesso do Syrisa deitaria por terra a estratégia bacoca do Governo português e de outros similares. De resto, basta lembrar que para esta gente vale tudo para chegar e conservar o poder, até, imagine-se, forçar uma solução desastrosa para o país como foi o caso do resgate e subsequente memorando.
Encurralados pela nossa própria mesquinhez, liderados por gente medíocre e sem escrúpulos, e rendidos ao medo, resta apontar o dedo aos gregos. Eles são os verdadeiros culpados. Pelo caminho nem uma palavra sobre a posição irredutível das lideranças europeias. A ideia é só uma: destruir o que quer que seja que se oponha à austeridade até à morte.

Com o infortúnio dos outros estamos nós bem, afundados na miséria e relegados para a mais absoluta insignificância. Há quem viva bem assim.

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