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E se Tsipras escolhesse outro caminho?

É tarefa árdua encontrar defesa para a posição adoptada pelo primeiro-ministro grego. Em bom rigor, Alexis Tsipras aceitou um novo plano de austeridade que apenas vai agravar o problema grego... isto se o plano for para cumprir. A receita da Europa, essa já se sabe, é para falhar. Nesta discussão importa ter presente a seguinte dualidade: instituições europeias e governos seguidistas que são tudo e dão tudo pelo sistema financeiro e pelas grandes multinacionais, flexibilizando legislação e concedendo todo o espaço de manobra para o florescimento do capital, enquanto restringem o espaço de manobra dos países, aplicando regras draconianas destruidoras das democracias. E se um país quiser sair desta armadilha? Não pode, os tratados não contemplam essa possibilidade, apesar de ser essa a vontade do ministro das Finanças alemão.
E se Tsipras escolhesse outro caminho? E se esse caminho resultasse numa saída, embora não contemplada pelos tratados, da Zona Euro? A Grécia ficaria fora do jogo e nenhum dos problemas de liquidez que afligem a economia Grega no plano imediato seriam resolvidos, bem pelo contrário, poderiam conhecer um acentuado agravamento, pelo menos no curto prazo.
A contrapartida foi a aceitação de mais austeridade e uma promessa de reestruturação de dívida. Tenho poucas certezas de que este plano seja para cumprir, eu e muitos outros. Entretanto parece-me que estamos muito longe de conhecer um desfecho neste contexto da zona euro e poderá ser esta a estratégia de Tsipras: comprar tempo, resolver os problemas com a economia grega no plano imediato (o sistema bancário está em colapso), protelar a aplicação de medidas que representam mais austeridade e esperar que algo mude na configuração política na própria UE, designadamente em países que fazem parte da zona euro (Espanha, Portugal. em menor grau. e Irlanda que têm eleições nos próximos meses) e eventualmente uma fragmentação mais acentuada do eixo franco-alemão.
Tsipras sempre teve um problema de tempo que condiciona toda a sua estratégia - uma estratégia já criticada pelo Presidente da República português (?), a par do isolamento notório num contexto ideológico manifestamente adverso à esquerda.
Tudo isto não passam de meras conjecturas porque certezas são poucas, mas importa salientar uma: a moeda única não funciona, É um facto que apenas tem trazido benefícios à Alemanha, paradoxalmente o país que mais dificuldades tem criado à Grécia, mas aquele que mais sairia prejudicado com uma eventual desintegração da zona euro. Parafraseando Francisco Louçã e Mariana Mortágua, com base num estudo de Paul de Grauwe - "... quando existe uma zona de moeda comum, todos os Estados passam a emitir dívida soberana em euros, mas, porque não têm controlo nacional sobre a moeda e porque vivem em regimes de câmbios fixos, cada um se torna vulnerável a ataques especulativos que podem forçar a sua falência". ("A Dividadura - Portugal na crise do Euro, Francisco Louça e Mariana Mortágua). Em situação oposta à descrita, e segundo o estudo já referido, as situações de incumprimento praticamente não existem. Estes são apenas alguns aspectos das falhas estruturais da moeda única, muitas outras podem ser avançadas, como a ausência de uniformização fiscal; a existência de uma capacidade diminuta orçamental e a exiguidade de funções do BCE, concentrado na inflação e que poderia ter um papel mais activo.
Há um aspecto positivo que saiu do passado domingo: a inexistência de união política liquida em absoluto o futuro de uma união económica e monetária que definha a cada dia que passa, apenas ao serviço do sistema financeiro. Chegará o dia em que nem união política, nem união económica e monetária. No passado domingo deu-se o primeiro passo. E a derrota de Tsipras que anda pelas bocas de todos pode não ser bem uma derrota, para já são 86 mil milhões, uma reestruturação de dívida, com extensão dos prazos e o FMI e BCE a sublinharem a necessidade de aliviar a dívida grega. A Alemanha fica mais isolada e a derrota é, segundo a comunicação social, exclusiva de Tsipras.


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