Avançar para o conteúdo principal

Que se lixe a democracia

A escolha democrática dos gregos é vista como uma ameaça que necessita de cerceamento imediato. Imagine-se que outros povos europeus fazem escolhas semelhantes - escolhas democráticas contra a austeridade, contra a ditadura da finança, a favor dos cidadãos, numa espécie de regresso ao verdadeiro significado de democracia. Não é aceitável. Se se eliminar o devaneio grego (Syrisa) limitam-se as possibilidades de outros países escolherem soluções semelhantes e em bom rigor há muito boa gente a ganhar rios de dinheiro com a pretensa crise das dívidas soberanas.
Assim, não espanta que as instituições europeias, coadjuvadas pelo inefável FMI, manifestem a mais abjecta intransigência com a Grécia. Senão vejamos: apesar da austeridade ter falhado de forma retumbante, insiste-se na subida do IVA para bens de primeira necessidade (medicamentos, eletricidade); insiste-se em mais mexidas nas reformas do mercado de trabalho e vejamos igualmente o caso paradigmático das pensões: a Grécia terá, segundo o FMI, pensões demasiado elevadas (nem sequer é verdade e basta olhar para os números do próprio Eurostat). Ora, o mesmo FMI insiste no corte de pensões a raiar os 500 milhões de euros. O Governo grego sugeriu um corte na defesa, ao invés de cortar ainda mais nas pensões. O FMI disse que não. Afinal o que é que se está a jogar nestas negociações?
O insuspeito Financial Times, num artigo de Wolfgang Munchau, fez as contas e estima que a Grécia - a aceitar as imposições europeias - verá a sua economia encolher mais 12,6 por cento em quatro anos, isto depois dos 20 por cento já perdidos resultado das políticas anteriores. O mesmo Financial Times estima que a dívida da Grécia atinja os 200 por cento. Conclusão: se a Grécia aceitar as imposições europeias perderá no plano político (o Syrisa foi eleito para fazer o contrário do que as instituições exigem) e do ponto de vista económico. Chega-se mesmo a afirmar que para a Grécia a saída do Euro poderá nem ser assim tão dramática, pelo menos no médio e longo prazo e paradoxalmente, o drama colocar-se-ia aos governos alemão e francês que teriam de explicar aos seus cidadãos como é que se perde 160 mil milhões de euros.


Comentários

Mensagens populares deste blogue

Mais uma indecência a somar-se a tantas outras

 O New York Times revelou (parte) o que Donald Trump havia escondido: o seu registo fiscal. E as revelações apenas surpreendem pelas quantias irrisórias de impostos que Trump pagou e os anos, longos anos, em que não pagou um dólar que fosse. Recorde-se que todos os presidentes americanos haviam revelado as suas declarações, apenas Trump tudo fizera para as manter sem segredo. Agora percebe-se porquê. Em 2016, ano da sua eleição, o ainda Presidente americano pagou 750 dólares em impostos, depois de declarar um manancial de prejuízos, estratégia adoptada nos tais dez anos, em quinze, em que nem sequer pagou impostos.  Ora, o homem que sempre se vangloriou do seu sucesso como empresário das duas, uma: ou não teve qualquer espécie de sucesso, apesar do estilo de vida luxuoso; ou simplesmente esta foi mais uma mentira indecente, ou um conjunto de mentiras indecentes. Seja como for, cai mais uma mancha na presidência de Donald Trump que, mesmo somando indecências atrás de indecências, vai fa

Outras verdades

 Ontem realizou-se o pior debate da história das presidenciais americanas. Trump, boçal, mentiroso, arrogante e malcriado, versus Biden que, apesar de ter garantido tudo fazer  para não cair na esparrela do seu adversário, acabou mesmo por cair, apelidando-o de mentiroso e palhaço.  Importa reconhecer a incomensurável dificuldade que qualquer ser humano sentiria se tivesse que debater com uma criança sem qualquer educação. Biden não foi excepção. Trump procurou impingir todo o género de mentiras, que aos ouvidos dos seus apoiante soam a outras verdades, verdades superiores à própria verdade. Trump mentiu profusamente, até sobre os seus pretensos apoios. O sheriff de Portland, por exemplo, já veio desmentir que alguma vez tivesse expressado apoio ao ainda Presidente americano. Diz-se por aí que Trump arrastou Biden para a lama. Eu tenho uma leitura diferente: Trump tem vindo a arrastar os EUA para lama. Os EUA, nestes árduos anos, tem vindo a perder influência e reputação e Trump é o ma

Normalização do fascismo

O PSD Açores, e naturalmente com a aprovação de Rui Rio, achou por bem coligar-se com o "Chega". Outros partidos como o Iniciativa Liberal (IL) e o CDS fizeram as mesmas escolhas, ainda que o primeiro corra atrás do prejuízo, sobretudo agora que a pandemia teve o condão de mostrar a importância do Estado Social que o IL tão avidamente pretende desmantelar, e o segundo se tenha transformado numa absoluta irrelevância. Porém, é Rui Rio, o mesmo que tem cultivado aquela imagem de moderado, que considera que o "Chega" nos Açores é diferente do "Chega" nacional. Rui Rio, o moderado, considera mesmo que algumas medidas do "Chega" como a estafada redução do Rendimento Social de Inserção é um excelente medida. Alheio às características singulares da região, Rui Rio pensa que com a ajuda do "Chega" vai tirar empregos da cartola para combater a subsidiodependência de que tanto fala, justificando deste modo a normalização que está a fazer de um pa