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Números

Nunca como agora vivemos obcecados com números. O défice, a dívida, o desemprego, a riqueza produzida num ano, a redução salarial, os escalões de IRS, a despesa pública, os ratings das agências de notação financeira, os rácios dos bancos e a injecção de milhões nesses mesmos bancos , o crescimento económico como a panaceia tão almejada - um crescimento tantas vezes longe de ser equitativamente redistribuído.
Este governo chafurda em números que escondem diferentes realidades amiúde distantes da história que nos é contada dia após dia. E mesmo assim não conseguem mostrar resultados que convençam quem quer que seja.
A obsessão pelos números é preocupante, sendo que é exponencialmente maior do que aquela que os representantes políticos demonstram ter pelas pessoas. De facto, as próprias pessoas são números, como se os governantes fossem pastores que contam cabeças de gado - mesmo esses pastores demonstram ter mais consideração pelo seu rebanho do que o Governo pelos cidadãos.
A obsessão pelos números é característica de quem, veladamente ou não, faz a apologia da ideologia dominante. O crescimento económico, por exemplo, é encarado como objectivo primordial de qualquer governo que se preze. Porém, esse crescimento económico acarreta invariavelmente custos elevados, designadamente no que diz respeito ao ambiente. Por outro lado, esse mesmo crescimento económico não se traduz numa redistribuição equitativa da riqueza.
Os números do desemprego - assentes em estatísticas oficiais dos desempregados inscritos nos centros de emprego - esconde outros tantos excluídos que abandonaram há muito qualquer réstia de esperança de fazer parte activa de um sistema que os despreza.
Este mês e no próximo, os números voltarão a ter um peso incomensurável em muitos de nós. Os salários e pensões ficarão mais magros e as contas complicar-se-ão. De igual forma, os famigerados indicadores económicos que regem as nossas vidas consubstanciados em mais números, em mais percentagens e em mais metas, voltarão a assombrar o país. Até lá, continuaremos a ouvir que nós não somos a Grécia, enquanto os Espanhóis afirmam não ser Portugal e por aí fora. Até lá, ficaremos com uma certeza - ninguém se revê numa Europa refém de uma ideologia que, à semelhança de outras no passado, instrumentaliza números, dando-lhes reforçada importância, para pintar uma realidade que na verdade é negra.

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