Avançar para o conteúdo principal

Uma década perdida

Primeiro foi a chanceler alemã, Angela Merkel, a referir a década de miséria, agora é Christine Lagarde, directora do FMI, a alertar para a possibilidade de enfrentarmos uma década "perdida", isto se os países não concertarem esforços no sentido de contrariar esse risco.
Depois da crise de 2008 pouco ou nada foi feito no sentido de corrigir o que está manifestamente errado com o sistema económico vigente. Aliás, alguns países depois de confrontados com as famigeradas crises da dívida soberana encetaram vastos planos de austeridade que conduzem a recessões, deixando de fora qualquer tentativa de combater a desregulação financeira.
Assim, não é de esperar outra coisa que não seja uma década perdida. Christine Lagarde esquece-se que a ortodoxia própria da instituição que dirige e a intervenção dessa mesma instituição em vários países produz invariavelmente o resultado que culminará com a tal década perdida. Parece que Merkel padece do mesmo mal.
De igual forma, já é notório que as ditas economias emergentes estão a sofrer as consequências do abrandamento económico, em particular nos Estados Unidos, mas muito em particular na Europa. E é na Europa, designadamente na Zona Euro, que os principais líderes continuam a evitar a aplicação de medidas que tornem a moeda única funcional. Ninguém ousa falar em mudanças no BCE (os países da Zona Euro estão demasiado dependentes dos mercados para se financiarem, acumulando dívida em cima de dívida), um orçamento mais robusto não é assunto abordado, a maior importância do Banco Europeu de Investimento também não parece ser questão importante para os principais líderes europeus, tal como a uniformização fiscal. Estes seriam passos importantes no sentido de tornar a moeda única exequível. Cegos por uma ideologia caduca ou pela mais inexorável subserviência, os líderes europeus limitam-se a aplicar paliativos que em nada resolvem o problema, problema que recrudescerá com as dificuldades que Itália está a atravessar.
Deste modo, caminhamos para a tal década perdida. A ideia em si é avassaladora, mas se nada for feito, em particular na Zona Euro, essa ideia nefasta tornar-se-á uma realidade. Para já, e trilhando este caminho, alguns países acabarão por abandonar a Zona Euro, por muito que essa ideia seja tabu. Paralelamente, a economia mundial acabará por se ressentir severamente. Há muito que pode ser feito, muito que não entra na cartilha do neoliberalismo. De resto, a Europa dá uma lição ao mundo de erros atrás de erros, cega que está por uma ideologia, repito, caduca. Veja-se a Europa: países que também numa década, na década do Euro, pouco ou nada cresceram. E não se trata apenas de Portugal ou da Grécia.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Saídas para os impasses

As últimas semanas têm sido pródigas na divulgação de escândalos envolvendo o primeiro-ministro e as suas obrigações com a Segurança Social e com o Fisco. Percebe-se que os princípios éticos associados ao desempenho de funções políticas são absolutamente ignorados por quem está à frente dos destinos do país - não esquecer que o primeiro-ministro já havia sido deputado antes de se esquecer de pagar as contribuições à Segurança Social. A demissão está fora de questão até porque o afastamento do cargo implica, por parte do próprio, um conjunto de princípios que pessoas como Passos Coelho simplesmente não possuem. A oposição, a poucos meses de eleições, parece preferir que o primeiro-ministro coza em lume brando. E com tanta trapalhada insistimos em não discutir possíveis caminhos e saídas para os impasses com que o país se depara. Governo e oposição (sobretudo o Partido Socialista) agem como se não tivessem de possuir um único pensamento político. Assim, continuamos sem saber o que...

Fim do sigilo bancário

Tudo indica que o sigilo bancário vai ter um fim. O Partido Socialista e o Bloco de Esquerda chegaram a um entendimento sobre a matéria em causa - o Bloco de Esquerda faz a proposta e o PS dá a sua aprovação para o levantamento do sigilo bancário. A iniciativa é louvável e coaduna-se com aquilo que o Bloco de Esquerda tem vindo a propor com o objectivo de se agilizar os mecanismos para um combate eficaz ao crime económico e ao crime de evasão fiscal. Este entendimento entre o Bloco de Esquerda e o Partido Socialista também serve na perfeição os intentos do partido do Governo. Assim, o PS mostra a sua determinação no combate à corrupção e ao crime económico e, por outro lado, aproxima-se novamente do Bloco de Esquerda. Com efeito, a medida, apesar de ser tardia, é amplamente aplaudida e é vista como um passo certo no combate à corrupção, em particular quando a actualidade é fortemente marcada por suspeições e por casos de corrupção. De igual forma, as perspectivas do PS conseguir uma ma...

Outras verdades

 Ontem realizou-se o pior debate da história das presidenciais americanas. Trump, boçal, mentiroso, arrogante e malcriado, versus Biden que, apesar de ter garantido tudo fazer  para não cair na esparrela do seu adversário, acabou mesmo por cair, apelidando-o de mentiroso e palhaço.  Importa reconhecer a incomensurável dificuldade que qualquer ser humano sentiria se tivesse que debater com uma criança sem qualquer educação. Biden não foi excepção. Trump procurou impingir todo o género de mentiras, que aos ouvidos dos seus apoiante soam a outras verdades, verdades superiores à própria verdade. Trump mentiu profusamente, até sobre os seus pretensos apoios. O sheriff de Portland, por exemplo, já veio desmentir que alguma vez tivesse expressado apoio ao ainda Presidente americano. Diz-se por aí que Trump arrastou Biden para a lama. Eu tenho uma leitura diferente: Trump tem vindo a arrastar os EUA para lama. Os EUA, nestes árduos anos, tem vindo a perder influência e reputação ...