Avançar para o conteúdo principal

Comparações entre Portugal e a Grécia

A comunicação social tem-se mostrado pródiga nas críticas que tece à Grécia, críticas que subiram de tom depois do anúncio feito pelo primeiro-ministro grego de um referendo sobre o novo pacote de ajuda. Ainda ontem, Márcia Rodrigues, enviada especial da RTP à Grécia, estabeleceu paralelos entre Portugal e aquele país, deixando bem claro que são dois países muito diferentes.
Desde logo, a jornalista da RTP enunciou os níveis de corrupção, baseando-se em relatórios internacionais, a fuga ao fisco, o peso do sector estatal, em particular do sector empresarial do Estado. Sublinhou ainda que a Grécia não conseguiu aplicar nenhuma das medidas negociadas com a inefável Troika e acrescentou que os salários do sector público eram muito elevados, a par dos subsídios e que ninguém consegue ter noção exacta das contas do sector público.
Dito assim, a ideia que se passa da Grécia é de laxismo e de irresponsabilidade em contraste com a nossa pretensa responsabilidade e controlo das contas públicas.
Porém, é pena que a mesma jornalista tenha deixado de referir a dificuldade que o governo grego encontra em cumprir os objectivos definidos pela Troika. Seria importante lembrar a queda das receitas fiscais, consequência da austeridade imposta. E que a própria Troika reconhece que a austeridade brutal imposta aos gregos não está a produzir os resultados necessários.
Sejamos honestos. Alguém conseguirá explicar como é que se pagam dívidas quando os salários e pensões sofrem cortes brutais, quando se assiste a uma dramática subida de preços, quando o desemprego sobre a cada dia que passa, quando há salários em atraso, subsídios de desemprego em atraso, quando as universidades estão paralisadas, quando o número de falências de empresas é assustador? Enfim, seria bom explicar como é que se paga uma dívida enquanto se mata uma economia.
Ao apontar-se o dedo à Grécia, expurgamos os nossos próprios males e ao fazê-lo, sentimo-nos melhor porque nos convencemos que sendo diferentes não passaremos pela miséria que eles estão a passar.
As comparações com o país que se encontra em mais dificuldades é um exercício que apenas serve para nos sentirmos melhor. Quanto ao facto da austeridade ser contraproducente ou no que diz respeito à impossibilidade de se pagar a dívida que nunca será verdadeiramente auditada, nem uma palavra precisamente porque isso põe em causa aquela sensação de bem-estar que se confunde com esperança em tempos tão conturbados.
Parece-me uma perfeita inutilidade continuar-se a bater em quem já está prostrado. Aqueles que verdadeiramente criaram este problema - o sector financeiro desregulado, uma classe política subjugada aos interesses desse e de outros sectores e nós próprios que aceitamos este estado de coisas, seja com o nosso desconhecimento, seja com a ligeireza com que olhamos para os problemas, seja até pela nossa indiferença - continuam a ser esquecidos. É mais fácil acusar os Gregos de laxismo enquanto fingimos que somos melhores do que eles. É apenas isso: mais fácil. E vale tudo para nos sentirmos melhor.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Mais uma indecência a somar-se a tantas outras

 O New York Times revelou (parte) o que Donald Trump havia escondido: o seu registo fiscal. E as revelações apenas surpreendem pelas quantias irrisórias de impostos que Trump pagou e os anos, longos anos, em que não pagou um dólar que fosse. Recorde-se que todos os presidentes americanos haviam revelado as suas declarações, apenas Trump tudo fizera para as manter sem segredo. Agora percebe-se porquê. Em 2016, ano da sua eleição, o ainda Presidente americano pagou 750 dólares em impostos, depois de declarar um manancial de prejuízos, estratégia adoptada nos tais dez anos, em quinze, em que nem sequer pagou impostos.  Ora, o homem que sempre se vangloriou do seu sucesso como empresário das duas, uma: ou não teve qualquer espécie de sucesso, apesar do estilo de vida luxuoso; ou simplesmente esta foi mais uma mentira indecente, ou um conjunto de mentiras indecentes. Seja como for, cai mais uma mancha na presidência de Donald Trump que, mesmo somando indecências atrás de indecências, vai fa

Outras verdades

 Ontem realizou-se o pior debate da história das presidenciais americanas. Trump, boçal, mentiroso, arrogante e malcriado, versus Biden que, apesar de ter garantido tudo fazer  para não cair na esparrela do seu adversário, acabou mesmo por cair, apelidando-o de mentiroso e palhaço.  Importa reconhecer a incomensurável dificuldade que qualquer ser humano sentiria se tivesse que debater com uma criança sem qualquer educação. Biden não foi excepção. Trump procurou impingir todo o género de mentiras, que aos ouvidos dos seus apoiante soam a outras verdades, verdades superiores à própria verdade. Trump mentiu profusamente, até sobre os seus pretensos apoios. O sheriff de Portland, por exemplo, já veio desmentir que alguma vez tivesse expressado apoio ao ainda Presidente americano. Diz-se por aí que Trump arrastou Biden para a lama. Eu tenho uma leitura diferente: Trump tem vindo a arrastar os EUA para lama. Os EUA, nestes árduos anos, tem vindo a perder influência e reputação e Trump é o ma

Normalização do fascismo

O PSD Açores, e naturalmente com a aprovação de Rui Rio, achou por bem coligar-se com o "Chega". Outros partidos como o Iniciativa Liberal (IL) e o CDS fizeram as mesmas escolhas, ainda que o primeiro corra atrás do prejuízo, sobretudo agora que a pandemia teve o condão de mostrar a importância do Estado Social que o IL tão avidamente pretende desmantelar, e o segundo se tenha transformado numa absoluta irrelevância. Porém, é Rui Rio, o mesmo que tem cultivado aquela imagem de moderado, que considera que o "Chega" nos Açores é diferente do "Chega" nacional. Rui Rio, o moderado, considera mesmo que algumas medidas do "Chega" como a estafada redução do Rendimento Social de Inserção é um excelente medida. Alheio às características singulares da região, Rui Rio pensa que com a ajuda do "Chega" vai tirar empregos da cartola para combater a subsidiodependência de que tanto fala, justificando deste modo a normalização que está a fazer de um pa