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Alternativas

Os movimentos que integraram o 15 de Outubro têm vindo a sofrer críticas que recaem sobre a inexistência de alternativas. Por outras palavras, estes movimentos são acusados, entre outras coisas, de protestar sem avançar alternativas. Desse modo, e por me rever no manifesto do movimento 15 de Outubro, aqui deixo algumas ideias que poderão ser consideradas alternativas. O que não posso deixar de contestar é a intoxicação que a comunicação social tem feito, convidando invariavelmente os mesmos intervenientes, todos apologistas da mesma escola de pensamento, a tal que nos levou à situação que vivemos hoje.

Reestruturação da dívida relativa às parcerias público-privadas. O custo é incomportável para as próximas décadas e já este ano o foi, como se percebe pelo OE 2012. Os negócios são desastrosos.

Reaproveitamento dos recursos humanos do Estado, prescindido assim o mesmo Estado de pagar somas avultadas por consultadorias, pareceres e afins que oneram todos os contribuintes e enriquecem os mesmos do costume, geralmente amigos do regime. O Estado deve aproveitar melhor os seus recursos humanos. Para quê o Estado recorrer a tantos serviços externos? A resposta também é óbvia e está relacionada com a partidocracia.

Aumento de impostos sobre mais-valias bolsistas à semelhança do que o Governo Islandês negociou com o FMI, Sim, o Governo Islandês fez essa negociação com o FMI.

Combater a ideia de que a produtividade aumenta com a redução de salários (ideia que impera e que é divulgada incessantemente pelos gurus que têm lugar na comunicação social, que passaram por cargos governativos e que hoje estão ou no sector financeiro ou nas grandes empresas portuguesas). Há inúmeras teorias e casos práticos que refutam essa ideia. Ainda neste particular, deve-se repudiar por completo aqueles que não viram esta crise que começou no sector financeiro, os mesmos que não querem ver esta crise, nem tão-pouco advogam soluções para a mesma. São estas pessoas que lutam para que Portugal se torne a China da Europa em salários, horas de trabalho e direitos sociais. Defender-se que existem razões para a baixa de produtividade, razões que têm muito mais a ver com os custos energéticos, a organização das empresas, investimento e próprio tecido empresarial do que propriamente com os trabalhadores, as horas de trabalho, os salários (miseráveis) ou outros direitos sociais.

Propor um aumento de impostos para as grandes empresas e para a banca. Justifica-se que a banca por exemplo pague 5 por cento de IRC, quando o comum do cidadãos paga valores muito mais elevados? Dificilmente o país retomará o caminho do crescimento e equilibrará as suas contas públicas enquanto se continuar a ser tão perdulário com o capital e enquanto se castiga o trabalho.

Pôr um fim à ideia errada que tem cada que cada vez mais força e que postula que as despesas com protecção social são demasiado onerosas para o país. Francisco Louça, reputado economista, olha para o problema de outra forma, defendendo que o Estado Social é antes de mais um excelente negócio, um apetecível negócio à espera de quem o conquiste. Veja-se o caso da Saúde e da Educação e a maravilha que seria para alguns se pudessem deitar a mão a estes negócios. Os tais que não são uma escolha, os tais que fazem parte da vida e que também por essa razão são tão rentáveis. Destruir o Estado Social é abrir as portas para esse negócio tão apetecível. As despesas da protecção social em percentagem do PIB correspondem, em Portugal, a 24.3 por cento (dados de 2008 da Pordata - www.pordata.pt), números que ficam abaixo da média da UE a 27 Estados.
Como Francisco Louça ressalta no seu Livro "Portugal Agrilhoado" como seria interessante deitar a mão a 20 por cento do PIB, valor a que corresponde a Segurança Social.

Outra proposta essencial passa pela
auditoria à dívida pública que, importa dizer está muito abaixo da dívida privada dos bancos. Esta proposta é avançada pelos grupos que integram o movimento dos indignados. Sem essa auditoria, o jogo é desleal. Como é que se paga uma coisa que não se conhece? Quais os interesses a bloquearem essa solução? Conhecemos a resposta para ambas perguntas. Sem essa auditoria, com a participação dos cidadãos, toda a discussão em torno da dívida perde força.

Medidas de crescimento económico. De que nos serve que a banca portuguesa, com especial enfoque na Caixa Geral de Depósitos, faça negócios ruinosos, faculte linhas de crédito para quem especula nos mercados, para quem não cria emprego? O país necessita de apostar na produção de bens transaccionáveis, precisa de indústria, precisa de produzir. É para isso que devem servir as linhas de crédito. Só assim o país pode retomar o caminho do crescimento. Um país que não produz, não cria emprego, não tem futuro.

Fim da partidocracia. É uma ideia ambiciosa, mas pode ser conseguida. Um dos maiores problemas do país prende-se com a forma como o Estado tem sido refém de partidos do arco do poder que utilizam o Estado e os seus recursos a seu bel-prazer. Há uma quantidade infindável de exemplos de como esta partidocracia tem posto em causa o futuro do país. Sem um combate à mesma, todos os outros esforços podem bem ser infrutíferos. Aqui entra evidentemente a questão da corrupção e como não poderia deixar de ser o problema da Justiça. Todos somos capazes de identificar o problema, mas temo que o mesmo não possa ser resolvido enquanto o país estiver refém de uma casta de priveligiados que se alimentam da partidocracia para enriquecerem enquanto vêem os restantes cidadãos empobrecerem a cada dia que passa.

Olhando para os números do OE de 2012 percebe-se que há uma fatia grande de dinheiros públicos que servem para pagar
juros exorbitantes. Mais de 5 mil milhões de Euros. Este é inquestionavelmente um problema intrincado. É um facto, no entanto, que aqueles que mais têm chorado por estarem numa situação difícil, são os mesmos que se financiaram a 1 ou 2 por cento para emprestarem ao Estado a 7 por cento ou mais. São os mesmos que financiaram os negócios ruinosos do Estado. Refiro-me obviamente à banca que hoje passa por vítima de um sistema que alimentou e que, em larga medida, criou. Importa reconhecer os erros do passado para não voltar a cometê-los. A propósito, refira-se também a necessidade de maior supervisão e regulação do Banco de Portugal. Ainda hoje perguntamos como é que foi possível a existência de um BPN e como é que o impacto nas contas do Estado é tão significativo. Convém não esquecer o impacto que o BPN tem nas nossas vidas.


A reestruturação da dívida deve, pelo menos, ser equacionada. Prazos mais dilatados para pagamento da dívida, daquilo que se considerar legítimo (após a auditoria). Para tal é necessária vontade política e audácia para as negociações. Na ausência de ambas, cabe aos cidadãos fazerem pressão nesse sentido.

Outra capacidade de negociação junto das instâncias europeias.
Sabemos que é nas negociações com as instâncias europeias que se consegue uma solução melhor ou pior para Portugal e reconhecemos a nossa dependência dessas instâncias europeias. A negociação do PS, PSD e CDS com a Troika foi desastrosa e mostrou o pior dos nossos governantes: a política de subserviência que, no caso concreto até serve a ideologia do actual Governo. Sem capacidade de negociação, com postura de subserviência e com a ideia de que somos pequenos e sempre seremos, o futuro será cada vez mais sombrio. Precisamos de outra postura perante as instâncias europeias. Não adianta dizer que somos reféns de uma situação criada por nós, porque isso não corresponde inteiramente à verdade, nem é solução para coisa alguma.

Devemos pugnar junto dos nossos governantes por outra política que não a política de défices em cima de défices, nem tão pouco de empobrecimento do país ao vender-se ao desbarato sectores estratégicos da economia nacional. As privatizações são indubitavelmente um negócio muito rentável para o capital estrangeiro e para algum capital nacional. Todavia, põe em causa a qualidade dos serviços e, em tantos e tantos casos, são negócios ruinosos para o Estado português. Quem perde é o cidadão. Devemos lutar por uma outra política que não aquela que nos querem impingir vestida com a roupa da inevitabilidade. Não são os baixos salários, o enfraquecimento do Estado Social e o empobrecimento dos cidadãos a levarem o país no sentido do desenvolvimento.

Off-Shores. O Governo, para inglês ver, decidiu taxar mais as transacções em off-shores. A diferença não é significativa e não combate o problema de fundo. Embora se perceba a dificuldade da questão, uma política séria para resolver o problema não faz parte do ideário dos senhores do Governo. Olhe-se com atenção para o paraíso fiscal da Madeira. Já chega de nos atirarem areia para os olhos. A este ritmo, não teremos mais do que isso: areia.

O mercado de arrendamento e a reabilitação que lhe pode anteceder seria interessantes oportunidades de negócio. Permitiriam algum alívio às empresas do ramo. Por outro lado, trata-se de uma necessidade imperiosa. Afinal de contas, o endividamento privado - elevadíssimo - nada fica a dever à febre de construção e de compra de casas com recurso ao crédito.

E ainda no plano interno, os cidadãos têm de reter o seguinte:
sem responsabilização, sem moralização, e fundamentalmente, sem interesse, o país continuará a ser dirigido por uma casta que enriquece à custa da maioria de nós. Pelo caminho, será a própria democracia a sucumbir.

Do ponto de vista externo, o Governo português, designadamente nas instâncias europeias,
não pode deixar de defender medidas que contribuam para uma Zona Euro viável onde imperem princípios de equidade. O directório Franco-Alemão têm de ser combatido. O projecto europeu nunca foi tão posto em causa como hoje.
O Governo português não deve só lutar pelas Eurobonds (o que também não fazer parte da política do Governo), deve defender a uniformização fiscal, a existência de um orçamento robusto, a mudança de filosofia do BCE que empresta dinheiro por portas e travessas ao invés de agir como um verdadeiro Banco Central. Isso fará toda a diferença.
O Governo português não se pode esquecer de defender mais união política, colocando de parte discursos inócuos (para o nosso futuro) e injustos que pretendem afastar Portugal da Grécia como se esta fosse um Estado pária.
A História vai julgar severamente esta retórica repleta de cobardia e egoísmo e que nos envergonham a todos a começar pelos próprios que recorrem a ela.
É obrigação do Governo português advogar uma Europa que combata as assimetrias sociais entre os vários Estados-membros, que faça do emprego a sua prioridade e que resista ao capitalismo selvagem.
A Europa está a perder a oportunidade de servir ao mundo como modelo. É também dever do Governo português relembrá-lo. Pelo caminho, os actuais dirigentes europeus estão a transformar a Europa num antro de fome e de miséria. Talvez fosse prudente relembrar um passado em que a fome e miséria, fruto da Grande Depressão, trouxeram para a Europa holocaustos, regimes ditatoriais e sanguinário e uma guerra mundial que foi o corolário
desse conjunto de situações.

Os cidadãos também podem pugnar por mudanças nos partidos políticos que, não o esqueçamos, são pilares do sistema democrático e devem conviver de modo salutar com a existência de movimentos de cidadãos. O que não é aceitável é a existência de partidos que, numa senda de abdicarem das suas ideologias entregues a um pragmatismo enganador, se recusem em se abrir à sociedade, se recusem em abandonar um hermetismo teimoso e que mais não são do que centros de emprego para quem orbita em torno da casta. Pede-se que esses partidos políticos encetem as mudanças necessárias para que abandonem vicíos que estão precisamente a destruí-los e a contribuir para uma clivagem cada vez mais notória entre cidadãos e os seus representantes políticos.

Os partidos políticos são determinantes num sistema democrático, mas os cidadãos também o são. Convém que quem lidera esses mesmos partidos nunca esqueça dessa premissa.


Ninguém pretende insinuar que o trabalho que se tem pela frente é fácil ou que se tudo consegue de um dia para o outro. O certo é que a política é feita de escolhas e de prioridade, mesmo quando os países atravessam crises. As escolhas dos políticos não podem passar ao lado dos cidadãos. A cidadania não se resume ao pagamento de impostos e à votação nas urnas. O exemplo disso mesmo são os resultados conseguidos em países em que a cidadania é activa e a democracia tem uma forte componente participativa. Existem formas de participação democrática e o movimento M12M refere o exemplo brasileiro, um exemplo a seguir de difícil refutação.

Todos podemos contribuir, o país só tem a ganhar. Nem todas as propostas serão exequíveis e outras são seguramente discutíveis. Contudo, já é um bom princípio participar.

Um bom contributo será através do combate à ditadura da inevitabilidade e isso faz-se com alternativas, com participação e com empenho.


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