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O filme dos últimos anos

Numa altura em que se aguardam as medidas de austeridade que servem de contrapartida ao pedido de "ajuda" à Troika, importa analisar o filme dos últimos anos. Com efeito, é indiscutível que a grave crise que o país atravessa é também consequência da incapacidade que a Europa demonstrou ter para atenuar os efeitos de um ataque concertado ao euro e a voracidade inacreditável de mercados e agências de rating que, curiosamente, estiveram no cerne da crise de 2008.
Todavia, existem responsabilidades que não podem ser imputas em entidades externas. Embora a UE, designadamente a Zona Euro, demonstre não ter os instrumentos necessários para fazer face às crises do capitalismo financeiro, crises que se multiplicarão, o país também não demonstrou ter sentido de responsabilidade e visão de futuro.
Desde os governos do betão, os mesmos liderados por quem hoje fala do mar como um desígnio nacional, mas que foi conivente com a más políticas na agricultura e nas pescas, passando por todos os que lhe sucederem, o país foi-se afundando num misto de endividamento e ausência de crescimento. Pelo caminho não se procederam às reformas - as tão famigeradas reformas - que poderiam contribuir para um aumento da competitividade da economia e para a consolidação democrática.
Em Portugal, seguiu-se cegamente políticas de visão estreita. das quais a aposta no betão é o melhor exemplo. Construiu-se e endividou-se o Estado e as famílias. Pouco ou nada se fez para a comercialização de bens transaccionáveis, pouco ou nada se fez no sentido de aumentar a competitividade do país. Pelo caminho, a justiça, a administração pública e a educação foram conhecendo uma deterioração exasperante. Pelo caminho, transformou-se o Estado numa partidocracia, minada por compadrios e pela corrupção, enquanto convenientemente grassava a burocracia.
Hoje, o bom aluno da Europa é humilhado e enxovalhado. Hoje o país está endividado e sem perspectivas de crescimento. Hoje o país está entregue aos ditames daqueles que durante anos nos emprestaram dinheiro.
Não vale a pena olhar única e exclusivamente para os mercados e para a UE e responsabilizá-los apenas a eles, enquanto descuramos as nossas próprias responsabilidades. Todos falhámos, porque falhou o colectivo. É preciso ter a verticalidade necessária para assumi-lo. Falhámos porque acreditamos nas ilusões de que a vida era fácil, falhámos porque nos desinteressámos porque preferimos a ignorância e a ilusão. Em alturas de recessão adopta-se políticas de forte investimento, na linha da política orçamental que Keynes defendia, mas em alturas de crescimento económico, procurava-se equilibrar as contas públicas. Mas qual crescimento económico?
E o mais grave é que parece querermos continuar nesta senda de falhanços disfarçada numa espécie de alternância democrática que nos levou à pior crise de que à memória. O desinteresse e as ilusões continuam a encher as nossas vidas de vazio.

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