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Tirania da inevitabilidade

Em alturas de crise acentua-se a ditadura da inevitabilidade e surgem especialistas que nos dizem que é inevitável proceder-se a alterações que resultam no retrocesso social. Tudo é inevitável: as medidas de austeridade draconianas, os sacrifícios feitos sempre pelos mesmos, a perpetuação de políticas cada vez menos ao serviço dos cidadãos; a primazia da economia em detrimento da política.
Os arautos da ditadura da inevitabilidade afirmam que mais cedo ou mais tarde os salários dos trabalhadores terão que ser reduzidos, os subsídios de férias e de Natal terão que ser eliminados e que é fundamental flexibilizar as contratações e os despedimentos numa lógica de agravamento da precariedade. Dizem-nos que são essas as soluções para os problemas do país; pelo caminho esquecem de dar a necessária ênfase à promiscuidade entre política e negócios, à burocracia endémica, à ineficácia da Justiça, à artificialidade da formação dos recursos humanos e à busca incessante de uma modernidade que mais não é do que um pragmatismo bacoco e inconsequente.
Note-se bem que quem faz a apologia da inevitabilidade chega ao ponto de dizer que temos que nos aproximar do “estilo” alemão de trabalho e do modelo dinamarquês de flexibilização de trabalho, isto num país que assentou a sua economia em baixos salários e na precariedade. O que nos dizem é que temos que trabalhar mais mas por menos dinheiro e com menos segurança social.
Sumariamente, a ditadura da inevitabilidade terá custos incomensuráveis: o retrocesso no bem-estar social destrói a coesão das sociedades que é essencial às próprias democracias. Muito está em causa com a ditadura da inevitabilidade, vale a pena reflectir sobre isso.

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