Enquanto o país vive com a permanente sensação de ingovernabilidade, os portugueses confrontam-se com duas realidades cada mais difíceis de sustentar: o desemprego e a precariedade. Estas duas realidades são recorrentemente apresentadas como sendo inevitáveis, fechando, deste modo, as portas a uma verdadeira solução que permita contrariar a tal inevitabilidade.
Curiosamente, ambas as realidades – desemprego e precariedade – são indissociáveis, senão vejamos: o desemprego é amiúde apresentado como a alternativa ao trabalho precário. Assim, os trabalhadores ou aceitam condições deploráveis de precariedade ou acabam no desemprego. Esta premissa tornou-se mais forte numa altura de crise que, em muitas circunstâncias, veio por a nu as fragilidades de gestão de muitas empresas radicadas no nosso país. O resultado, esse, é invariavelmente o mesmo: desemprego e aumento da precariedade.
A classe política, designadamente o Governo e alguns partidos da oposição, crêem piamente que o aumento da produtividade se consegue através de flexibilização das leis do trabalho. Por conseguinte, assiste-se a alterações sistemáticas que visam flexibilizar leis laborais consideradas demasiado rígidas e pouco atractivas para o investimento. Continua-se, pois, a pensar numa lógica de competitividade com base em salários baixos e a ignorar outros factores que contribuem inexoravelmente para a fraca competitividade e produtividade da economia portuguesa: os modelos de gestão desastrosos que são recorrentes em tantas empresas portuguesas e no próprio Estado nunca são referidos; raras vezes se aborda a satisfação dos trabalhadores e a transformação de estímulos em aumento de produtividade; nunca se refere a organização das cidades, em particular das acessibilidades que produzem trabalhadores extenuados ainda antes de chegarem aos seus postos de trabalho, depois de horas em filas de trânsito e em transportes públicos.
Pelo contrário, a flexibilização que resulta tantas vezes em mais precariedade é a panaceia para todos os problemas de produtividade. Ignoram-se os danos psicológicos que a precariedade provoca em tantos cidadãos, tantas vezes associados a práticas de humilhação que se agrava quando a alternativa é o desemprego.
Com o agravamento da precariedade e do desemprego está-se a construir uma sociedade assente nos pressupostos errados, que resultará inevitavelmente numa sociedade cada menos coesa e cada vez mais desigual. Mas, infelizmente, esta reflexão parece não ter lugar no nosso país.
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