Avançar para o conteúdo principal

A persistência do erro

A crise internacional que dá agora sinais de estar a ceder não foi fruto do acaso, mas antes da adopção de um modelo que tem vindo a comprometer o bem-estar social da generalidade dos cidadãos e a beneficiar uma minoria exígua de privilegiados, muitos deles desprovidos de sentido de responsabilidade e de quaisquer princípios éticos.

Os erros que subjazem à eclosão da dita crise internacional vão, como tudo indica, ser ignorados quer pelas instâncias económicas supranacionais, quer pelos responsáveis políticos. Dir-se-á que estas são características de uma globalização irreversível e que os mercados só funcionam se estiverem entregues a si próprios. Ora, foi essa secundarização da política em relação à economia que se traduziu numa voracidade dos mercados e que culminou com a crise internacional, que, ao que parece, vai continuar.

As palavras “supervisão”, “Estado” e “regulação” que tantas vezes foram proferidas durante os primeiros meses da crise, vão perdendo força, enquanto os cidadãos vão tentando refazer as suas vidas. Mesmo em Portugal, há quem não se coíba de mostrar que nada aprendeu com a crise e continue a apregoar as velhas máximas do “Estado mínimo”, defendendo um Estado que pouco ou nada intervém na economia, enaltecendo o papel do sector privado ao mesmo tempo que se despreza o papel do Estado.

Com efeito, Portugal não é o melhor exemplo de como o Estado pode ser eficiente. E é precisamente por essa razão que as críticas ao Estado, ao seu peso e ao seu papel, podem degenerar em discursos contra o Estado, discursos carregados de mensagens que, sub-repticiamente, defendem o tal Estado mínimo que está na origem da crise internacional que tantos custos teve e continua a ter para tantos cidadãos. É por esta razão que o Estado em Portugal precisa de se livrar das promiscuidades dos negócios opacos, precisa de deixar de ser visto como um obstáculo intransponível, precisa de mostrar eficiência e mostrar que as entidades reguladoras não são apenas uma fachada.

Infelizmente, em Portugal e no resto do mundo são mais os sinais que mostram que pouco ou nada se aprendeu com esta crise do que o seu contrário. De resto, não tenhamos dúvidas: se tudo continuar na mesma, ou dito por outras palavras, se o papel do Estado e da política continuar a ser subestimado e se os mercados continuarem entregues a si próprios, outras crises vão eclodir e o bem-estar social, outrora uma garantia na vida dos cidadãos, vai continuar a ser uma miragem. Convenhamos que não são os mercados que se preocupam com esse bem-estar social, mas sim os políticos que representam os cidadãos.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Saídas para os impasses

As últimas semanas têm sido pródigas na divulgação de escândalos envolvendo o primeiro-ministro e as suas obrigações com a Segurança Social e com o Fisco. Percebe-se que os princípios éticos associados ao desempenho de funções políticas são absolutamente ignorados por quem está à frente dos destinos do país - não esquecer que o primeiro-ministro já havia sido deputado antes de se esquecer de pagar as contribuições à Segurança Social. A demissão está fora de questão até porque o afastamento do cargo implica, por parte do próprio, um conjunto de princípios que pessoas como Passos Coelho simplesmente não possuem. A oposição, a poucos meses de eleições, parece preferir que o primeiro-ministro coza em lume brando. E com tanta trapalhada insistimos em não discutir possíveis caminhos e saídas para os impasses com que o país se depara. Governo e oposição (sobretudo o Partido Socialista) agem como se não tivessem de possuir um único pensamento político. Assim, continuamos sem saber o que...

Fim do sigilo bancário

Tudo indica que o sigilo bancário vai ter um fim. O Partido Socialista e o Bloco de Esquerda chegaram a um entendimento sobre a matéria em causa - o Bloco de Esquerda faz a proposta e o PS dá a sua aprovação para o levantamento do sigilo bancário. A iniciativa é louvável e coaduna-se com aquilo que o Bloco de Esquerda tem vindo a propor com o objectivo de se agilizar os mecanismos para um combate eficaz ao crime económico e ao crime de evasão fiscal. Este entendimento entre o Bloco de Esquerda e o Partido Socialista também serve na perfeição os intentos do partido do Governo. Assim, o PS mostra a sua determinação no combate à corrupção e ao crime económico e, por outro lado, aproxima-se novamente do Bloco de Esquerda. Com efeito, a medida, apesar de ser tardia, é amplamente aplaudida e é vista como um passo certo no combate à corrupção, em particular quando a actualidade é fortemente marcada por suspeições e por casos de corrupção. De igual forma, as perspectivas do PS conseguir uma ma...

Outras verdades

 Ontem realizou-se o pior debate da história das presidenciais americanas. Trump, boçal, mentiroso, arrogante e malcriado, versus Biden que, apesar de ter garantido tudo fazer  para não cair na esparrela do seu adversário, acabou mesmo por cair, apelidando-o de mentiroso e palhaço.  Importa reconhecer a incomensurável dificuldade que qualquer ser humano sentiria se tivesse que debater com uma criança sem qualquer educação. Biden não foi excepção. Trump procurou impingir todo o género de mentiras, que aos ouvidos dos seus apoiante soam a outras verdades, verdades superiores à própria verdade. Trump mentiu profusamente, até sobre os seus pretensos apoios. O sheriff de Portland, por exemplo, já veio desmentir que alguma vez tivesse expressado apoio ao ainda Presidente americano. Diz-se por aí que Trump arrastou Biden para a lama. Eu tenho uma leitura diferente: Trump tem vindo a arrastar os EUA para lama. Os EUA, nestes árduos anos, tem vindo a perder influência e reputação ...