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Exageros de retórica

A manifestação de sexta-feira última continua a ser um assunto cuja discussão merecia outro nível de seriedade. Senão vejamos: o primeiro-ministro, desprovido de uma linha de argumentação sólida, limita-se a sublinhar as ligações entre a CGTP e o PCP e Bloco de Esquerda. Sem quaisquer argumentos válidos, José Sócrates cinge-se ao acessório, dispensando o essencial. Por sua vez, o secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa, fala em regresso à retórica do fascismo. Ora, de um lado acena-se com o fantasma do comunismo, do outro faz-se o mesmo com o fantasma do fascismo. Os exageros de retórica são óbvios e constituem mais um sinal da inexistência de um debate sério sobre os reais problemas do país.

As últimas semanas têm sido pródigas no que diz respeito a sinais de uma degradação do discurso político em Portugal. Disso são exemplo as declarações de membros do PS, mas também de generalidade dos partidos da oposição. A degradação do discurso politico encontra o seu zénite na discussão do acessório e de subterfúgios, fugindo invariavemente ao onús da questão. Recorde-se, por exemplo, das declarações do primeiro-ministro a propósito do caso Freeport: o primeiro-ministro preferiu enfatizar a tese da cabala, elegendo como inimigo a comunicação social. Pelo caminho ficou o bom senso de dizer que cabe à justiça determinar qual o desfecho para este caso.

Todavia, são inúmeras as situações em que se verificam exageros de retórica e se dispensa a discussão dos problemas que afligem os portugueses. Agora a discussão anda à volta da instrumentalização da CGTP e dos argumentos fascistas do Governo. No que diz respeito à instrumentalização da CGTP, não se percebe vem onde é que está a novidade disto. Mais uma vez se foge ao essencial, ou será que o primeiro-ministro acredita que todos os que estiveram na manifestação de sexta-feira é instrumentalizado pelo partido comunista. Por outro lado, essa instrumentalização invalida as discussão sobre as razões que levou tanta gente a manifestar-se?

O líder do PCP faz agora o papel de vítima e recorda tempos idos em que os sindicalistas eram todos conotados com o partido comunista. Excusava era o líder do PCP fazer o papel de vítima, escondendo que as acusações do primeiro-ministro, embora exageradas, têm um fundo de verdade. Mas como é sobejamente conhecida a forma exímia como o PCP esconde a sua verdadeira natureza, o papel de vítima - tão caro aos nossos políticos - assenta-lhe bem.

Assim, perde-se tempo com minudências e foge-se ostensivamente ao essencial. Restam as querelas internas, os exageros de retórica, a mais abjecta vacuidade que não deveria ter lugar na política. É lamentável verificar que as principais figuras da política portuguesa não têm mais para oferecer do que este triste espectáculo.


Mais in Público online: http://ultimahora.publico.clix.pt/noticia.aspx?id=1369295&idCanal=23

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