Avançar para o conteúdo principal

As obras do regime e o endividamento do país

O ex-Presidente da Autoridade da Concorrência contrariou a ideia que se tem vindo a generalizar que postula as grandes obras públicas como factor impulsionador do emprego. Embora Abel Mateus, que já presidiu à Autoridade da Concorrência, não tenha sido o único a desfazer a mistificação que paira sobre os grandes projectos do Governo, a verdade é que a sua voz vem dar um contributo para o relançamento da discussão.

De facto, as grandes obras públicas representam a pedra de toque das políticas do actual Governo para fazer face à crise. A palavra endividamento não entra no discurso oficial do Governo, até porque não se insere num quadro de constante propaganda; afinal de contas, nesse contexto de propaganda não são contemplados os hipotéticos aspectos negativos. O problema do endividamento - para o qual Abel Mateus chama a atenção - é permanentemente escamoteado pelo Executivo de José Sócrates e pelos arautos das suas políticas.

Note-se que as grandes obras públicas escondem os mais diversos interesses: desde o financiamento, passando pelas autarquias e pelo Estado e culminando nas empresas de Construção. Ora, nestas circunstâncias não é surpresa que as vozes dissonantes sejam escassas, em particular num país que anda a reboque do Estado. Com efeito, o silêncio em torno desta questão não deixa antever a reversibilidade das ditas grandes obras.

De um modo geral, o Governo tem dado inúmeros sinais da sua mediocridade e, portanto, esta questão das grandes obras públicas como uma espécie de milagre que vai revitalizar a economia e criar uma multiplicidade de postos de trabalho não deve causar grande surpresa. Aliás, este Governo, à semelhança de outros, quer deixar as suas obras de regime e tendo em conta que a mediocridade não permite que se perceba que sem apoios às pequenas e médias empresas não se está a combater os efeitos de crise nenhuma, ficam as obras e as dívidas.

Abel Mateus faz uma clara alusão aos aspectos negativos das tais obras megalómanas e faz também uma clara referência ao crescente endividamento do país. Recusando a ideia de um país falido, Abel Mateus não deixa de fazer uma antevisão negra sobre o problema das grandes obras públicas e o endividamento.

Esta discussão sobre as obras do regime - parece que não existe outro tipo de investimento público - está condenada a ser efémera. Não interessa perceber se o dinheiro necessário para financiar essas obras vai ou não impedir que as empresas que procurem financiamento para investir encontrem graves dificuldades. Não interessa saber se todas estas obras vão, de facto, criar emprego a médio e longo prazo, nem tão pouco interessa discorrer sobre os perigos do endividamento excessivo em Portugal. De qualquer modo, o Governo nunca foi muito apologista do diálogo e da troca de ideias; a oposição, exceptuando o PSD, parece ter outras preocupações e a sociedade civil é uma fábula que só encanta os mais incautos.

Entrevista de Abel Mateus in Público online: http://economia.publico.clix.pt/noticia.aspx?id=1369695&idCanal=57

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Normalização do fascismo

O PSD Açores, e naturalmente com a aprovação de Rui Rio, achou por bem coligar-se com o "Chega". Outros partidos como o Iniciativa Liberal (IL) e o CDS fizeram as mesmas escolhas, ainda que o primeiro corra atrás do prejuízo, sobretudo agora que a pandemia teve o condão de mostrar a importância do Estado Social que o IL tão avidamente pretende desmantelar, e o segundo se tenha transformado numa absoluta irrelevância. Porém, é Rui Rio, o mesmo que tem cultivado aquela imagem de moderado, que considera que o "Chega" nos Açores é diferente do "Chega" nacional. Rui Rio, o moderado, considera mesmo que algumas medidas do "Chega" como a estafada redução do Rendimento Social de Inserção é um excelente medida. Alheio às características singulares da região, Rui Rio pensa que com a ajuda do "Chega" vai tirar empregos da cartola para combater a subsidiodependência de que tanto fala, justificando deste modo a normalização que está a fazer de um pa...

Direitos e referendo

CDS e Chega defendem a realização de um referendo para decidir a eutanásia, numa manobra táctica, estes partidos procuram, através da consulta directa, aquilo que, por constar nos programas de quase todos os partidos, acabará por ser uma realidade. O referendo a direitos, sobretudo quando existe uma maioria de partidos a defender uma determinada medida, só faz sentido se for olhada sob o prisma da táctica do desespero. Não admira pois que a própria Igreja, muito presa ao seu ideário medieval, seja ela própria apologista da ideia de um referendo. É que desta feita, e através de uma gestão eficaz do medo e da desinformação, pode ser que se chumbe aquilo que está na calha de vir a ser uma realidade. Para além das diferenças entre os vários partidos, a verdade é que parece existir terreno comum entre PS, BE, PSD (com dúvidas) PAN,IL e Joacine Katar Moreira sobre legislar sobre esta matéria. A ideia do referendo serve apenas a estratégia daqueles que, em minoria, apercebendo-se da su...

Outras verdades

 Ontem realizou-se o pior debate da história das presidenciais americanas. Trump, boçal, mentiroso, arrogante e malcriado, versus Biden que, apesar de ter garantido tudo fazer  para não cair na esparrela do seu adversário, acabou mesmo por cair, apelidando-o de mentiroso e palhaço.  Importa reconhecer a incomensurável dificuldade que qualquer ser humano sentiria se tivesse que debater com uma criança sem qualquer educação. Biden não foi excepção. Trump procurou impingir todo o género de mentiras, que aos ouvidos dos seus apoiante soam a outras verdades, verdades superiores à própria verdade. Trump mentiu profusamente, até sobre os seus pretensos apoios. O sheriff de Portland, por exemplo, já veio desmentir que alguma vez tivesse expressado apoio ao ainda Presidente americano. Diz-se por aí que Trump arrastou Biden para a lama. Eu tenho uma leitura diferente: Trump tem vindo a arrastar os EUA para lama. Os EUA, nestes árduos anos, tem vindo a perder influência e reputação ...