O recente acto de censura à sátira do computador Magalhães só pode deixar os defensores do sistema democrático incrédulos. A decisão do Ministério Público insere-se num contexto de cerceamento de liberdades que tem sido uma constante dos últimos anos. Afinal de contas parece que não se pode brincar com este símbolo da governação. Até se poderia discutir o conteúdo da sátira - se é ou não de bom gosto -, mas dificilmente se pode aceitar que se imponham limites à liberdade de expressão.
Seria, aliás, profícuo assistir-se à discussão que está a ter lugar no Reino Unido precisamente sobre a liberdade de expressão a propósito da proibição do controverso Geert Wilders de entrar no Reino Unido. Recorde-se que este membro do parlamento holandês é responsável pelo filme anti-islâmico "Fitna". No filme proliferam generalizações abusivas e potenciadoras de sentimentos nefastos relativamente ao mundo islâmico e são inúmeras as críticas ao filme, mas a sua proibição esbarra nas mais elementares liberdades e acabará por se revelar contraproducente. Curiosamente os censores do século XXI esquecem-se que as suas proibições potenciam a visibilidade dada precisamente àquilo que estão a proibir. É assim com o deputado holandês e agora é também assim com a censura à sátira do computador Magalhães.
A discussão sobre os limites à liberdade de expressão e à liberdade de imprensa tem toda a pertinência, mas é preciso que essa discussão tenha efectivamente lugar, como está acontecer no Reino Unido. Em Portugal, foram feitas críticas profusas na internet visando a censura à sátira do Magalhães, mas paradoxalmente essas críticas têm um carácter efémero, como outros episódios de condicionamentos das liberdades já o provaram.
De facto, a generalidade dos cidadãos gosta de dizer que vive em democracia, mas alguns, com responsabilidades acrescidas porque são detentores de cargos de representação dos vários poderes - no caso concreto trata-se do poder judicial -, esquecem-se que a democracia assenta na liberdade e no pluralismo de expressão. Se a sátira ao computador Magalhães é brejeira e de mau gosto que se critique, mas num espírito de liberdade e não com censuras que nos fazem lembrar outros tempos.
Os últimos anos têm sido, de resto, caracterizados por alguns retrocessos no processo de consolidação da nossa ainda jovem democracia e nada se fez em prol dessa consolidação. Este episódio é sintomático do clima de rejeição das mais elementares liberdades. Muitos preferem ignorar que a democracia e a liberdade são indissociáveis e que é só neste contexto que o país pode vir a conhecer elevados níveis de desenvolvimento. Ora, a criatividade, o empreendedorismo e a capacidade de iniciativa encontram o seu habitat natural nas democracias onde as liberdades são salvaguardadas.
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