Avançar para o conteúdo principal

Não faltaram os avisos

A discussão sobre crise financeira cuja dimensão é inevitavelmente global, embora o seu epicentro tenha sido nos Estados Unidos, tem sido caracterizada por uma palavra: regulação. Ninguém parece saber bem como, mas todos clamam por uma maior e mais eficaz regulação. Consequentemente, não deixa de ser curioso ver e ouvir os mais liberais, do ponto de vista económico, clamaram por mais regulação.
Hoje o mundo está suspenso pela aprovação do Congresso do plano de recuperação proposto pela Administração Bush, as relutâncias abundam e a incerteza domina a actualidade. É curioso que desde há muito tempo a esta parte são muitos os que pugnam por mais ética e uma maior regulação dos mercados financeiros; são muitos os que advogam um sistema que não deixe os mercados em roda livre. E nem sequer se trata daqueles movimentos anti-globalização, são pessoas que não rejeitam o sistema capitalista, mas antes rejeitam os excessos desse capitalismo, augurando a inevitabilidade desses excessos acabarem da pior forma.
Por conseguinte, quando se discute a questão da crise financeira não se pode falar de uma surpresa – os avisos não faltaram. Chega a ser ridículo ouvir as palavras do Presidente Bush que reitera o seu liberalismo económico, que mais se aproxima do ultraliberalismo, ao mesmo tempo que considera inevitável – uma excepção – a intervenção do Estado americano.
Em Portugal, o cenário não é particularmente melhor. O primeiro-ministro balbuciou meia dúzia de palavras sobre o assunto, repetindo a necessidade de combater a avidez e de instaurar um sistema mais regulado. Durante os passados três anos de legislatura não se ouviu uma só palavra sobre o assunto. Hoje, o primeiro-ministro papagueia aquilo que já foi dito até à exaustão. Mais uma vez, o Governo reage tarde e ineficazmente. Essa frouxidão da reacção vai-nos custar caro.
Em suma, é inacreditável que tantos, durante tanto tempo, chamaram a atenção para os excessos dos mercados e a necessidade de regulação do mesmo, reafirmando que a auto-regulação não era o melhor caminho. Ninguém ouviu estas pessoas que, ao procurarem formas de melhorar o sistema, estavam precisamente a querer preservar o sistema capitalista. Já se provou que a ganância pode ser perniciosa; espera-se agora que a ética, as regras e o bom senso possam estar no centro do capitalismo.
Outra questão a ter em conta e a necessitar de uma discussão prende-se com os insistentes planos de reestruturação de empresas que mais não são do que formas de despedir. Já para não falar do enfraquecimento da condição do trabalhador, o modelo parece ser o pior que vem da Ásia. As desigualdades gritantes, o retrocesso do bem-estar social merecem mais atenção. Afinal, quem avisa, amigo é. Desta vez que oiçam os avisos.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Mais uma indecência a somar-se a tantas outras

 O New York Times revelou (parte) o que Donald Trump havia escondido: o seu registo fiscal. E as revelações apenas surpreendem pelas quantias irrisórias de impostos que Trump pagou e os anos, longos anos, em que não pagou um dólar que fosse. Recorde-se que todos os presidentes americanos haviam revelado as suas declarações, apenas Trump tudo fizera para as manter sem segredo. Agora percebe-se porquê. Em 2016, ano da sua eleição, o ainda Presidente americano pagou 750 dólares em impostos, depois de declarar um manancial de prejuízos, estratégia adoptada nos tais dez anos, em quinze, em que nem sequer pagou impostos.  Ora, o homem que sempre se vangloriou do seu sucesso como empresário das duas, uma: ou não teve qualquer espécie de sucesso, apesar do estilo de vida luxuoso; ou simplesmente esta foi mais uma mentira indecente, ou um conjunto de mentiras indecentes. Seja como for, cai mais uma mancha na presidência de Donald Trump que, mesmo somando indecências atrás de indecências, vai fa

Normalização do fascismo

O PSD Açores, e naturalmente com a aprovação de Rui Rio, achou por bem coligar-se com o "Chega". Outros partidos como o Iniciativa Liberal (IL) e o CDS fizeram as mesmas escolhas, ainda que o primeiro corra atrás do prejuízo, sobretudo agora que a pandemia teve o condão de mostrar a importância do Estado Social que o IL tão avidamente pretende desmantelar, e o segundo se tenha transformado numa absoluta irrelevância. Porém, é Rui Rio, o mesmo que tem cultivado aquela imagem de moderado, que considera que o "Chega" nos Açores é diferente do "Chega" nacional. Rui Rio, o moderado, considera mesmo que algumas medidas do "Chega" como a estafada redução do Rendimento Social de Inserção é um excelente medida. Alheio às características singulares da região, Rui Rio pensa que com a ajuda do "Chega" vai tirar empregos da cartola para combater a subsidiodependência de que tanto fala, justificando deste modo a normalização que está a fazer de um pa

Outras verdades

 Ontem realizou-se o pior debate da história das presidenciais americanas. Trump, boçal, mentiroso, arrogante e malcriado, versus Biden que, apesar de ter garantido tudo fazer  para não cair na esparrela do seu adversário, acabou mesmo por cair, apelidando-o de mentiroso e palhaço.  Importa reconhecer a incomensurável dificuldade que qualquer ser humano sentiria se tivesse que debater com uma criança sem qualquer educação. Biden não foi excepção. Trump procurou impingir todo o género de mentiras, que aos ouvidos dos seus apoiante soam a outras verdades, verdades superiores à própria verdade. Trump mentiu profusamente, até sobre os seus pretensos apoios. O sheriff de Portland, por exemplo, já veio desmentir que alguma vez tivesse expressado apoio ao ainda Presidente americano. Diz-se por aí que Trump arrastou Biden para a lama. Eu tenho uma leitura diferente: Trump tem vindo a arrastar os EUA para lama. Os EUA, nestes árduos anos, tem vindo a perder influência e reputação e Trump é o ma