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Subserviência vergonhosa

Existe uma polémica que tem passado deliberadamente ao lado dos assuntos que marcam a actualidade em grande parte da comunicação social portuguesa. Depois de Bob Geldof ter proferido um discurso que feriu o regime angolano, pelo menos no seu orgulho, o regime, através do jornal ao serviço do Governo, o Jornal de Angola, decidiu disparar em direcção a jornalistas portugueses e ao próprio ex-Presidente da República, Mário Soares.
A forma inadmissível como a comunicação social angolana – ou pelo menos parte dela – tratou um ex-Presidente da República, uma figura incontornável da história democrática portuguesa, não podia ter ficado sem resposta. O partido de Mário Soares refugiou-se no silêncio mais cobarde, denotando a degradação de uma classe política que privilegia interesses próprios, relegando para um segundo plano os princípios e os valores. A excepção tem sido o deputado Manuel Alegre – talvez o deputado mais elucidado no Parlamento, e o que verdadeiramente está ao serviço do país, não abdicando dos seus princípios, em nome de interesses partidários, económicos, futebolísticos, ou outros.
Já aqui se descreveu a posição subserviente de Portugal perante o regime angolano, uma posição que cresce em proporção do aumento dos negócios entre os dois países. Essa relação entre empresas portuguesas e angolanas não significa que nós tenhamos de aceitar todo o tipo de alarvidades.
O artigo que visava jornalistas portugueses, incluindo os intervenientes do programa satírico e de crítica “o Eixo do Mal”, na SIC Notícias, e de um ex-Presidente da República Portuguesa, é o espelho do próprio regime que tudo faz para garantir que nada falte à família “real” e aos seus súbditos mais próximos. É o espelho de um regime cleptocrata que não estará muito habituado a ser alvo de críticas, razão pela qual se insurgiu com tanta veemência e tão pouca inteligência quando pôs um colunista a regurgitar imbecilidades.
O comportamento de confrontação e de retaliação do jornal angolano mostra também as debilidades de um regime que fica manifestamente nervoso quando é alvo de críticas.
Finalmente, Angola certamente que poderá, no futuro, contar com um regime diferente daquele que condena o país, ou grande parte dos angolanos, à mais execrável pobreza. Aliás, as ditaduras quando caem, caem de forma estrondosa, e as suas principais figuras são as grandes vítimas dessa queda. Talvez o regime tenha esta percepção, e por isso mesmo tenha reagido, visivelmente irritado, àquilo que caracteriza as democracias pluralistas – a liberdade de expressão que, felizmente, muito de nós não trocamos por este ou por aquele negócio.

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