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Cimeira da Nato e os resquícios da guerra-fria

Está a ter lugar, esta semana, em Bucareste, aquela que é considerada a maior cimeira da história da Nato. O assunto do Afeganistão vai ter lugar de destaque na agenda, mas talvez o ponto mais polémico seja a possibilidade de alargamento da aliança atlântica à Ucrânia e à Geórgia, fortemente apoiada pelos EUA, e veementemente repudiada pela Rússia.
No essencial, os Estados Unidos apoiam o pedido da Ucrânia e da Geórgia para entrada no Membership Action Plan, o último passo antes da entrada na NATO. A Rússia, por sua vez, e secundada pela maioria dos Estados-membros da União Europeia, com destaque para a Alemanha e França, dificilmente aceitarão a entrada deste dois países para a Nato.
As razões que justificam a oposição russa prendem-se com razões históricas, designadamente com o antigo Pacto de Varsóvia, no tempo da União Soviética; mas no essencial, as razões russas para uma forte oposição dizem respeito aos interesses de Moscovo: trata-se de uma zona de influência russa e a Rússia teme pela aproximação da NATO às suas fronteiras. Esta é uma situação altamente indesejável para os russos.
Os Estados Unidos movem-se, naturalmente, pelos seus próprios interesses que convergem no sentido de alargar a sua zona de influência, até porque o mesmo foi conseguido com alguns países do Leste europeu, que num passado não muito remoto estavam no contexto do Pacto de Varsóvia.
O fim da guerra-fria não pressupõe que tanto os Estados Unidos (até porque foram bem sucedidos, mantendo ainda o estatuto de superpotência), como a Rússia (ainda com fortes aspirações hegemónicas, não obstante o desmoronamento da União Soviética) tenham aberto mão dos seus interesses. Muito pelo contrário, hoje o jogo é diferente – até porque o mundo é diferente, com novos actores internacionais e com uma Rússia ainda à procura de maior preponderância a nível internacional, mas os objectivos de cada país não diferem substancialmente. Ambos procuram vantagem estratégica.
No caso dos EUA, a entrada de novos actores internacionais, em particular o caso da China, coloca em causa a supremacia norte-americana; aliás, são muitas as antevisões que apontam para o fim de um mundo unipolar em favor de um mundo multipolar – com grande destaque para a preponderância dos países asiáticos. No que toca à Rússia, esta procura, em primeiro lugar, manter a sua zona de influência, o que justifica a posição contra a entrada da Geórgia e da Ucrânia na Nato; num segundo momento, a Rússia procura alargar essa zona de influência, procurando simultaneamente recuperar o poder entretanto perdido. Para isso, conta com os vastos recursos energéticos que possui.
A cimeira da Nato em Bucareste vai, por conseguinte, ficar marcada pela prevalência destes dois países, e com a possibilidade de assistirmos a uma retórica não muito distante daquela que era utilizada durante o longo período da guerra-fria.
A União Europeia, na sua generalidade, tem uma posição mais cautelosa e mais próxima da Rússia. A mudança na presidência russa aconselha essa cautela: a União Europeia prefere uma aproximação à Rússia e, para tal, não é recomendável que exaspere o novo Presidente Russo, Medvedev. Um facto é incontornável nesta cimeira da NATO: tanto o presidente americano, como o presidente russo estão em fim de mandato. A ver vamos se isso é ou não determinante para o resultado da cimeira da NATO.

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