Avançar para o conteúdo principal

Anatomia de um recuo

O ministério da Educação e o sindicato dos professores chegaram a um entendimento sobre o polémico processo de avaliação dos professores. A ministra da Educação apressou-se a afirmar que não se tratava de um recuo do Governo. Politicamente, trata-se de um recuo. A ministra pode elaborar os artifícios semânticos que entender, mas é mesmo disso que se trata – de um recuo.
O processo de avaliação dos professores foi alvo de críticas, não apenas por iniciativa da classe docente, mas também dos partidos da oposição e de vários quadrantes da sociedade portuguesa. Para além das críticas que incidiam sobre vários itens do modelo de avaliação proposto pelo ministério, sobravam igualmente criticas à forma como se estava a tentar impor, extemporaneamente e à margem de toda uma classe profissional, um modelo de avaliação que gerou demasiadas divergências. O zénite do desagrado dos professores foi a famigerada manifestação que reuniu um número atípico de manifestantes. O sinal foi claro para o Governo – a imposição de um modelo que gerava tanta controvérsia começava a situar-se no plano da inexequibilidade.
O primeiro-ministro percebeu que as consequências de um permanente desentendimento entre ministério da Educação e professores teria, inevitavelmente, custos políticos, e decidiu orquestrar um entendimento entre as partes, em particular no que toca à polémica questão do modelo de avaliação.
A ministra da Educação acaba por sair fragilizada de todo este processo. Relembre-se que a ministra sempre defendeu fervorosamente o seu modelo de avaliação; aliás, há não muito tempo, a ministra desdobrou-se em entrevistas, defendendo, sem vacilar, o modelo de avaliação proposto pelo seu ministério.
De facto, aos olhos da opinião pública, a ministra sai com a imagem fragilizada. A tese que postula que se tratou de uma aproximação aos professores, ao invés de se ter tratado de um efectivo recuo, não terá certamente impacto na opinião pública que percepciona uma ministra teimosa que, a pretexto de interesses eleitoralistas, acaba por deixar cair uma das reformas mais importantes desta legislatura.
Existe também um evidente aproveitamento político por parte dos partidos da oposição. Mas a intransigência da ministra que, aliás, sempre caracterizou a sua conduta, teve custos políticos para o Governo, e antes que esses custos subissem exponencialmente, a ministra viu-se obrigada a recuar.
Não deixa, contudo, de ser uma boa notícia para os professores e para escolas. Não deixa, apesar de tudo, de ser um sinal perigoso para o Governo que parece recuar ao mínimo sinal de instabilidade – a avaliação dos professores é apenas o último recuo. Por conseguinte, não é exagero afirmar que este ano e meio até às próximas legislativas vai ser caracterizado pela mera gestão eleitoralista do Governo, que se traduzirá em inaugurações, anúncios de projectos, anúncios de subsídios, e, fundamentalmente, a cessação de quaisquer reformas que possam importunar uma classe profissional, ou grupo de cidadãos.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Mais uma indecência a somar-se a tantas outras

 O New York Times revelou (parte) o que Donald Trump havia escondido: o seu registo fiscal. E as revelações apenas surpreendem pelas quantias irrisórias de impostos que Trump pagou e os anos, longos anos, em que não pagou um dólar que fosse. Recorde-se que todos os presidentes americanos haviam revelado as suas declarações, apenas Trump tudo fizera para as manter sem segredo. Agora percebe-se porquê. Em 2016, ano da sua eleição, o ainda Presidente americano pagou 750 dólares em impostos, depois de declarar um manancial de prejuízos, estratégia adoptada nos tais dez anos, em quinze, em que nem sequer pagou impostos.  Ora, o homem que sempre se vangloriou do seu sucesso como empresário das duas, uma: ou não teve qualquer espécie de sucesso, apesar do estilo de vida luxuoso; ou simplesmente esta foi mais uma mentira indecente, ou um conjunto de mentiras indecentes. Seja como for, cai mais uma mancha na presidência de Donald Trump que, mesmo somando indecências atrás de indecências, vai fa

Normalização do fascismo

O PSD Açores, e naturalmente com a aprovação de Rui Rio, achou por bem coligar-se com o "Chega". Outros partidos como o Iniciativa Liberal (IL) e o CDS fizeram as mesmas escolhas, ainda que o primeiro corra atrás do prejuízo, sobretudo agora que a pandemia teve o condão de mostrar a importância do Estado Social que o IL tão avidamente pretende desmantelar, e o segundo se tenha transformado numa absoluta irrelevância. Porém, é Rui Rio, o mesmo que tem cultivado aquela imagem de moderado, que considera que o "Chega" nos Açores é diferente do "Chega" nacional. Rui Rio, o moderado, considera mesmo que algumas medidas do "Chega" como a estafada redução do Rendimento Social de Inserção é um excelente medida. Alheio às características singulares da região, Rui Rio pensa que com a ajuda do "Chega" vai tirar empregos da cartola para combater a subsidiodependência de que tanto fala, justificando deste modo a normalização que está a fazer de um pa

Outras verdades

 Ontem realizou-se o pior debate da história das presidenciais americanas. Trump, boçal, mentiroso, arrogante e malcriado, versus Biden que, apesar de ter garantido tudo fazer  para não cair na esparrela do seu adversário, acabou mesmo por cair, apelidando-o de mentiroso e palhaço.  Importa reconhecer a incomensurável dificuldade que qualquer ser humano sentiria se tivesse que debater com uma criança sem qualquer educação. Biden não foi excepção. Trump procurou impingir todo o género de mentiras, que aos ouvidos dos seus apoiante soam a outras verdades, verdades superiores à própria verdade. Trump mentiu profusamente, até sobre os seus pretensos apoios. O sheriff de Portland, por exemplo, já veio desmentir que alguma vez tivesse expressado apoio ao ainda Presidente americano. Diz-se por aí que Trump arrastou Biden para a lama. Eu tenho uma leitura diferente: Trump tem vindo a arrastar os EUA para lama. Os EUA, nestes árduos anos, tem vindo a perder influência e reputação e Trump é o ma