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Cuba: transição para a democracia?


A pergunta em epígrafe impõe-se no dia em que Fidel Castro anunciou a renúncia ao poder em Cuba. Hoje foi anunciado o fim de um ditador, mas dificilmente se poderá anunciar o fim do regime. Todavia, o regime sofrerá, inevitavelmente, mudanças, até porque não se pode dissociar o regime do próprio Fidel. Seja como for, hoje é um dia de esperança para muitos cubanos, e talvez ainda mais para aqueles que sofreram as sevícias do regime e os que se viram obrigados ao exílio.
Historicamente, Cuba sempre degenerou em regimes mais ou menos repressivos. Antes de Fidel, já Batista tinha imposto um regime repressivo, e não obstante o progresso económico, a pobreza alastrava-se. Depois da chegada ao poder, Fidel Castro, impõe um sistema repressivo que obriga muitos milhares de Cubanos ao exílio; a repressão a sindicatos, o encerramento de colégios religiosos, a prisão de intelectuais, as vagas de prisões políticas, a clandestinidade, os campos de concentração e os fuzilamentos marcam o regime de Fidel Castro.
E nos últimos anos, o regime de Fidel, embora tenha abandonado a tortura e os fuzilamentos, intensificou as prisões de opinião, particularmente nos anos subsequentes ao fim da guerra-fria.
Esta ilha das Caraíbas desempenhou um papel determinante na História dos últimos cinquenta anos, designadamente durante o longo período da guerra-fria. O próprio Fidel Castro estava persistentemente na mira da CIA e das sucessivas administrações americanas, sobreviveu a todas essas administrações, e só abandona o poder por óbvios motivos de saúde.
A herança de Fidel Castro é pesada – para além dos gravíssimos e incessantes atropelos aos direitos humanos, o regime deixa um país pobre e arcaico, o resultado de políticas económicas falidas e de uma ideologia caduca; não é apenas fruto de um embargo imposto pelos Estados Unidos. É a própria ideologia que alicerça o regime e que condena o país ao mais inexorável fracasso que tem custos elevados para os cubanos. Não chega fazer a apologia do regime com base no argumento dos bons serviços de saúde e educação quando a pobreza é um mal profuso e quando os cidadãos vêem as suas liberdades estranguladas.
Há quem ainda faça a apologia do regime e quem ainda se sinta seduzido pelo próprio Fidel, não obstante os crimes cometidos pelo seu regime. A revolução ainda alimenta muitos sonhos em grande parte do mundo, quando na verdade, esses sonhos de libertação e de prosperidade, transformaram-se num pesadelo para a generalidade dos cubanos. Voltando ao início deste texto: pode-se esperar uma transição para uma Cuba democrática? Talvez se operem algumas mudanças, mas o essencial vai manter-se, pelo menos durante o tempo em que Fidel for vivo, porque Castro pode ter anunciado a sua renúncia, mas até à sua morte vai ter uma influência determinante para o rumo do regime. Depois da sua morte, talvez o país abandone alguns ideais da revolução, até por uma questão de sobrevivência – o regime que continua a basear-se numa ideologia falida está a condenar esta ilha à pobreza. De qualquer modo, hoje, apesar de todas as dúvidas, é um dia em que a esperança de muitos cubanos se renova.

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