O Presidente da República proferiu um discurso dissonante do discurso do primeiro-ministro que teve consequências imediatas: o ministro da Saúde tem-se desdobrado em entrevistas tentando explicar as suas políticas para a saúde; tem havido alguma polémica em relação ao comentário do Presidente às elevadas remunerações de alguns gestores; o discurso de ano novo mostrou que o Presidente da República não entra no jogo das ilusões do Governo.
O ministro da Saúde sempre teve dificuldades em explicar a razão dos encerramentos, principalmente em zonas do interior do país, e as alternativas viáveis a esses encerramentos. O problema em encetar um verdadeiro diálogo com o país não é um problema exclusivo do ministro da Saúde, é antes um problema transversal a todo o Governo. Não basta ao ministro da Saúde acenar com a bandeira da sustentabilidade, é preciso explicar, é preciso falar com as pessoas, o que não é necessário é a arrogância e o distanciamento de quem governa.
O comentário do Presidente da República relativamente à existência de uma diferença, que não cessa de aumentar, entre os salários dos trabalhadores e as remunerações dos administradores, foi outro elemento polémico do discurso de Cavaco Silva. Muitos consideram-no demagógico, outros aplaudiram. Parece-me óbvio que o Presidente da República não pretende resolver os problemas do país propondo uma baixa dos salários dos administradores; pretendeu apenas chamar a atenção para um factor preocupante: é evidente que não se está a caminhar no caminho certo quando se verificam diferenças abismais entre os salários de uns e os de outros. São estas desigualdades que indiciam que algo vai mal no nosso país. E não valerá a pena dizer que é apenas mais uma tendência geral e irreversível, quando o mesmo não se verifica de forma tão acentuada noutros países.
De igual modo, o Presidente da República preferiu distanciar-se do discurso ilusório e auto-complacente do Governo, aproximando-se das preocupações das pessoas, alertando para alguns problemas sociais, como o desemprego, que urge atenuar. Elogia-se o Presidente Cavaco Silva pelo realismo do seu discurso, por não ter enveredado por um discurso repleto de chavões do politicamente correcto e por se ter distanciado da visão fantasista do Executivo de José Sócrates.
É fundamental para o país que alguém acorde o primeiro-ministro que prefere sonhar com um país que não existe do que encarar as dificuldades e com determinação resolvê-las. O Presidente da República deu o seu contributo para esse acordar para o país real. É preciso estar bem acordado para se reformar a Administração Pública, por exemplo. Sem esta reforma andamos apenas a marcar passo, e não mais do que isso.
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