O primeiro-ministro já deu provas suficientes de viver e governar um país muito diferente daquele onde vivem e sobrevivem os portugueses. Depois da mensagem de Natal do primeiro-ministro, foi-nos impingida uma reunião de ministros, informal e descontraída, e o que daí resultou foi mais um exercício de imaginação do governo. O próprio ministro das Finanças foi peça fundamental desse exercício quando falou de um país que poucos reconhecem como sendo o Portugal de hoje.
De facto, algo vai mal no país do primeiro-ministro quando morrem pessoas nas Urgências de um qualquer hospital público, algo vai mal quando o desemprego não dá mostras de baixar ou quando as perspectivas dos mais jovens são incessantemente coarctadas por um governo que os despreza. Paralelamente, o país de José Sócrates não é o mesmo onde se vive cada vez pior, embora o Governo faça questão de anunciar aumentos em consonância com a inflação – outro exercício falacioso na precisa medida em que se verifica que o custo de vida aumenta e os salários e pensões são insuficientes para fazer face a esse aumento.
Por outro lado, o primeiro-ministro está com dificuldades em aceitar que as suas tão famigeradas reformas falharam clamorosamente. A começar com a reforma da Administração Pública – um verdadeiro fiasco mal disfarçado com a mobilidade de funcionários públicos. Muito bem estaríamos se os males da Administração Pública se resolvessem com a transferência de algumas centenas de funcionários de um serviço para outro. Está-se a passar deliberadamente ao lado do essencial. Antes de mais, o primeiro-ministro tem de dizer aos portugueses que Estado quer, que funções atribuir a esse Estado, quais as suas competências, que áreas devem ser da sua exclusiva responsabilidade.
Outro falhanço cujas repercussões se verificam hoje, mas que no futuro serão ainda mais onerosas é o fracasso da Educação. Também neste particular, o primeiro-ministro acha que vai tudo bem e o que vai mal é disfarçado por medidas incipientes e inconsequentes. O desânimo, a ausência de esperança, o desinteresse, a permissividade e a irresponsabilidade tomaram conta das escolas.
Mas no país do primeiro-ministro tudo vai bem, poucas vezes a reconhecida arrogância do Governo permitiu aos seus membros ver as dificuldades diárias de uma vasta maioria de portugueses. Dir-se-á que o défice excessivo já foi corrigido e que Portugal vai, segundo as previsões do Governo, crescer significativamente. Contudo, nem as pessoas sentem essas melhorias, nem tão-pouco vislumbram de que forma nos próximos anos vão sentir as consequências de tantos sacrifícios. Não se percebe de que forma avança um país que afasta o investimento em virtude, entre outras coisas, de um Justiça ineficaz e morosa; não se percebe qual o futuro de um país cujo Estado se imiscui em tudo; é difícil conjecturar um futuro promissor para um país cheio de vícios, burocrático, intrincado e que caminha perigosamente para o neoliberalismo mais abjecto – com a clara conivência do Governo. Este é o país real, não é exagero de retórica. Este é o país que precisa de ser apresentado ao primeiro-ministro. Urge que José Sócrates conheça o país real – o mesmo país que obriga os seus funcionários, designadamente professores, a trabalharem quase até à morte, o mesmo país que roubou a dignidade destes cidadãos e que vai continuar a fazê-lo com o silêncio ensurdecedor do Executivo de José Sócrates.
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